FLOR DE SANGUE! - NOVEL 01

Prólogo

Faz muito tempo, mas ainda me lembro de cada detalhe. Mirai Haiseky era uma garota de aparência comum no bairro dos humanos, estava cursando o último ano do ensino fundamental, como todas as outras meninas. Era esforçada, apesar de não ser muito inteligente; tinha cabelos castanhos, olhos cor de mel, e pele clara, de estatura mediana. Nem alta, nem baixa, nem gordinha, apenas magrinha, dentes levemente tortos.

Mas havia algo que a destacava entre todas as outras, algo que adornava seu cabelo de forma simples, infantil e ridícula. Eram dois laços de fita vermelha, que estavam na sua cabeça desde o início, ao fim do dia. Essa característica marcante fazia com que todos a conhecessem na cidade.

Na realidade, conheciam Mirai pelos laços na cabeça, e não pela história trágica que ela tinha. Os humanos tinham o dom da memória fraca; acontecimentos que apareciam, vinham e iam, sendo esquecidos no fundo, de suas mentes. Uma vez ou outra iam para a frente do cérebro, mas ainda assim, voltavam para o mesmo lugar esquecido, escuro e frio.

E por falar em frio, era um daqueles dias gelados, um fenômeno conhecido em Vamccor como "ralem gelo" estava prestes a acontecer por ali, uma situação curiosa, mas comum, onde a neve caía sem qualquer explicação fora de época, costumava durar até três dias. Mas isso não era a única coisa estranha no mundo de Vamccor. Esse mundo era governado por vampiros, uma raça muito evoluída. Entre eles, havia os mestiços e os humanos. Nessa hierarquia, os vampiros estavam no topo, os humanos no meio e os mestiços, os escravos, embaixo dessa pirâmide social.

(...)

— Droga, não acredito que esqueci minha blusa de frio no guarda-roupa... - Mirai se apressou para entrar no seu colégio e viu os aplicadores daquela prova importante que determinaria o seu futuro.

Se tirasse uma nota superior a 70, poderia continuar seus estudos e finalmente entrar para o colegial. Mas se falhasse, nunca mais poderia estudar em uma escola novamente... Esse era o terrível destino dos humanos.

— Nome? - O homem perguntou, parado na frente da porta.

— Mirai Haiseky, senhor...

— Certo, mesa 24.

— V-vinte e quatro?!

Esse era um número de azar em Vamccor.

— Próximo!

Mirai se apressou entrando na sala, estava nervosa demais com o que logo iria acontecer. Olhou ao redor e viu dois colegas conversando; um deles estava com um caderno na mão.

Mirai mordeu o lábio frustrada; aquela colega era uma Junker, uma humana privilegiada. Esses humanos, chamados de Junkers, são a elite dos humanos, devido ao seu status na sociedade. Tinham muito dinheiro por serem de famílias ricas e antigas. E aquela Junker, no meio da sala de 39 alunos, faria a prova com direito a consulta!

Mirai agitou os pés ansiosos debaixo da mesa, se sentiu ainda mais desanimada com a prova. Deve ter sido por esse motivo, ou pelo menos contribuiu, para que Mirai tirasse uma nota baixa de 68 na prova.

— Não pode ser... Minha Deusa, não... - Ela olhou o número vermelho depois de tirar a prova do envelope e caiu no meio da rua chorando amargurada.

Isso era péssimo para qualquer humano. A partir desse dia, significava que Mirai precisaria viver uma vida deprimente como a de sua tia, uma vida sem estudo superior ao fundamental, competindo com mestiços aposentados, por vagas de emprego que pagam muito mal.

Havia poucas opções de trabalhos decentes para os humanos; os mestiços, a mão de obra barata e escrava, ocupavam 89% dos trabalhos do mundo. Embora os humanos estivessem acima dos mestiços na hierarquia social, criada pelos vampiros, eles não significavam nada. A única coisa que importava para a sociedade vampírica era o que corria na veia deles, seu precioso sangue vermelho.

(...)

— Como você ousa me ligar para dar uma notícia terrível como essa, Mirai?! Sua única obrigação nessa família era tirar notas boas; você era a minha esperança de que poderíamos mudar de vida, e você estragou tudo! Sua menina, imbecil!

— .... Tia... Por favor... - Seus lábios tremeram junto dos olhos marejados.

— Não me apareça mais aqui em casa! Estou muito chateada, vou pensar no que vamos fazer...

— O quê!? Mas eu não tenho onde passar a noite!

— Isso não é problema meu! Estou prestes a infartar aqui, de tanta raiva de você! - Havia traços de dor na voz de sua tia; ela realmente tinha esperanças em Mirai.

Havia olhos escuros e vazios no seu rosto cansado e molhado. Ela olhou para seus pés, perguntando-se o motivo de tanta desgraça, tanta dor que os humanos eram obrigados a suportar. Sentiam agulhas na pele todos os meses, viam seu sangue indo embora em uma bolsa de sangue, em troca de uma cesta básica de alimento que duraria só até o próximo mês. Coitado daquele que se recusava a doar o sangue frequentemente; era punido com dois meses de fome.

Havia tanta crueldade, tantas coisas ruins que eram obrigados a suportar, tanta humilhação para viver dignamente. Mirai viu tudo embaçar por causa das lágrimas presas nos olhos, que se recusavam a cair, lentamente congelavam. Aquela garota apenas fechou os olhos por um instante e perdeu a consciência naquele frio impiedoso. Enquanto estava apagada, sua respiração ficava mais lenta, mais pesada, e os flocos de neve se amontoavam no seu corpo gelado, nos seus cabelos castanhos.

Capítulo 01

Tentei forçar meus olhos para se abrirem, mas uma escuridão densa os bloqueava. Um pânico avassalador me atingiu quando percebi minhas mãos, firmemente presas ao meu colo. O que quer que me mantivesse na cintura estava apertado, era áspero, senti a textura por cima da minha blusa, e o ambiente exalava um odor de cigarro misturado a tecido queimado. O ranger de uma cadeira ecoou, indicando que eu estava sentada. Um grunhido assustado escapou da minha garganta, rapidamente se transformando em pedidos de socorro.

— Alguém! Por favor! Me tira daqui! Socorro!... Há alguém aí!? - Minha voz vacilou, e uma vontade intensa de chorar tomou conta de mim. Minha face ardia, uma lágrima desceu pela minha bochecha. - Por que estão fazendo isso comigo? Preciso de ajuda... Por favor, me ajudem! O que tá acontecendo!? Por favor... Por favooor... Por favor... - Soluços incontroláveis interromperam meus gemidos de choro. Estou apavorada. O que fiz para merecer algo tão cruel assim?

Antes que pudesse gritar novamente, ouvi um som familiar: uma porta se abrindo. Um feixe de luz invadiu a escuridão que cobria meus olhos. Uma silhueta escura se aproximou, e entrei em pânico, ficando imóvel. Até mesmo os soluços que eu não conseguia controlar cessaram repentinamente.

— Parece que fiz você esperar mais do que devia. - A voz, grave e calma, porém misteriosa, pertencia a um homem que se aproximava.

Funguei duas vezes com dificuldade antes de pronunciar qualquer coisa.

— Por favor... Me tira daqui, sir... - Tentei ser gentil, mesmo diante da situação, isso apenas fez eu me sentir mais patética.

— Seu nome é Mirai Haiseky, mora com sua tia, última parente de sangue ainda viva. Dezesseis anos, último ano do fundamental, 1,69 m, 48,8 kg. Doou 187 bolsas de sangue desde os 6 anos, saudável apesar da magreza.

Fiquei espantada com esse conhecimento sobre mim. Por que alguém faria isso? Ninguém se importa com a minha existência. Estou sem palavras, incapaz de entender o que está acontecendo.

— Por que está fazendo isso...?

— Apenas responda às minhas perguntas.

— S-sir...

— Por que estava no meio da tempestade?

— Tempestade...? Eu... Eu não sei... - Respondi perplexa.

— Alguém suspeito falou com você?

— .... Está falando agora... - Respondi hesitante, com medo dele me agredir.

— Além de mim, antes do evento de ontem.

— Não... Só a minha tia. Não converso muito com outras pessoas... - Respondi ainda estranhando aquela situação.

— Alguém a enviou até aquele lugar?

— Me enviar?...

Do que esse cara está falando?!

— Sim, alguém te enviou? - Ele reforçou, me causando arrepios.

— Não, sir!... Por que está fazendo isso comigo...? Me deixe ir... - Abaixei a cabeça, apertando os olhos com força, resistindo às lágrimas.

— Apenas estou sendo cauteloso.

Ouvi seus passos.

— O que você quer comigo? Não tenho nada a oferecer, não temos dinheiro, não sou ninguém... Ninguém!

O silêncio aumentou meu nervosismo. O que esse homem estranho e assustador queria comigo!? O que ele vai fazer!?

— Deusa, me proteja, não sei quem é essa pessoa, me ajude... - Comecei a orar, meu corpo tremia dos pés à cabeça.

— Você está orando?...

— Por favor, me deixe ir embora...

— Não vou fazer nada com você, quero apenas te oferecer uma proposta.

— U-uma... Proposta?...

— Sim, eu salvei a sua vida. - Ouvi um passo. - Tirei você do meio daquela tempestade. - Outro passo. - Te trouxe para um lugar seguro.

— L-lugar seguro...?

— E, em troca, quero apenas uma coisa. - Ele tocou minha cabeça, e meu corpo reagiu com um pulo assustado.

— Não, por favor... - Minha voz saiu como um miado, ele pretende abusar sexualmente de mim!?

— Apenas. - Ele puxou a venda. - Seu sangue...

Fechei os olhos com força e vacilei com a última palavra dita por ele. Tive medo dele me chantagear depois que vir seu rosto.

— M... Meu... - Comecei a levantar o rosto. - Sangue...?

Tomei coragem e abri meus olhos, não havia outra maneira.

— Ah...! - Arregalei os olhos diante da cor vermelha horripilante; os olhos daquele homem brilhavam como rubis!

— Isso mesmo, quero apenas o seu sangue.

Ele se afastou, jogando a venda no chão. A sala, agora iluminada apenas por uma lâmpada fraca que piscava, destacava o brilho vermelho dos seus olhos na escuridão.

— Você... É um vampiro...? - Falei atônita desviando meus olhos dos dele; ouvi tantas coisas ruins sobre esses olhos, considerados amaldiçoados, olhos podres... E só havia uma única pessoa viva convivendo com essa maldição, mas eu não me lembrava do nome dele.

— Que pergunta mais idiota.

— Q-qual é a sua propo...sta? - Olhei minhas mãos e uma corda em volta de mim.

— Vai depender do seu sangue agora...

— Agora...?

— Se for do meu agrado e atender as minhas necessidades, tudo ficará bem.

Ele se aproximou sem rodeios e puxou a gola do meu uniforme para o lado, seus dedos eram frios, roçou por pouco tempo na minha pele quente, mas foi o suficiente para arrepiar meu corpo mais uma vez.

— Espera! Me deixe pensar por um momento, sir! - Meus dentes bateram, tremendo de medo; aquele homem emanava um medo sobrenatural sobre mim.

— Não tenho muito tempo para isso. - Ele puxou minha cabeça para o lado e cravou suas presas na minha pele.

Nos primeiros segundos me debatendo, não senti nada, mas então uma dor terrível começou, uma queimação angustiante se espalhou, e logo me tornei imóvel, completamente molenga, doía tanto, mas meu corpo não me obedecia mais, fiquei à mercê dele por dois minutos, que mais pareciam horas.

— Veremos se haverá algum efeito sobre mim. - Ele afastou o rosto do meu pescoço, e vi pelo canto dos meus olhos, seus lábios e seu queixo sujos do meu sangue.

— ... S... si...r... - Minha vista ficou turva.

— Esse efeito colateral é só na primeira vez; seu corpo se acostumará se isso se tornar frequente. - Ele olhou meu rosto, e me senti como se tivesse sido anestesiada.

— F.. frequen... te... - Olhei os olhos dele e fechei os meus aos poucos; não sei o que vai acontecer agora, mas estou tão sonolenta que, de alguma forma, nada mais importa... Não tenho forças para ficar acordada e cuidar de mim mesma.

Por que me sinto assim de repente? Perdi tanto sangue afinal?... O que me espera no meio dessa escuridão que estou lentamente me afundando, como uma lama escura, como areia movediça, à medida que meus olhos se fecham.

Capítulo 02

Senti um cobertor macio sobre meu corpo, um cheiro maravilhoso de lavanda, flores-do-campo, um lugar que sempre desejei visitar. Por alguns segundos, vi apenas um borrão enquanto abria meus olhos, meus olhos finalmente focaram nos móveis ao redor da cama em que estou confortavelmente deitada.

— Que lugar é esse? Esse quarto... - Pensei comigo enquanto as memórias lentamente apareciam para mim, virei o pescoço para a penteadeira e uma dor surgiu ali. - Ahhh! - Toquei meu pescoço dolorido, estava com um curativo de algodão, muito bem feito.

Puxei meu cabelo para trás do ombro e observei atentamente no espelho da penteadeira, ainda estava com meu uniforme preto e vermelho, isso é bom, ninguém deve ter mexido comigo...

Aquela pessoa assustadora de antes apareceu nas minhas lembranças, ele era uma pessoa bonita, embora os olhos vermelhos tenham me assustado, no fim a única coisa que ele fez comigo, aparentemente, foi me morder.

Se estou viva, isso significa que fui alguém que atendeu as expectativas daquele sujeito? Espero que ele não planeje me machucar novamente... Quero apenas, ir para casa, falar com a minha tia e pensar em uma forma de nos darmos bem, vou trabalhar duro para ajudá-la, independente de qualquer trabalho terrível que eu arrumar.

Pensar nisso me deixa triste, sempre pensei que continuaria estudando, e saber que isso acabou, porque não fui boa o bastante para passar na prova, me deixa com um sentimento horrível de frustração no peito, eu queria tanto poder continuar... O meu sonho, aquele sonho bobo que riram uma vez, ainda mexe comigo, é o que eu desejo... Mas agora, eu nunca vou tê-lo, nunca vou realizar... Mamãe, papai... Eu falhei!

Então escutei a maçaneta da porta se abrir, esteve aberta esse tempo todo? Fui boba de não ter ido conferir. Então vi aqueles sapatos de boneca, pretos, meias brancas até o tornozelo. Uma empregada entrou, tinha cabelos negros, olhos castanhos, uma marcação na mão, era uma mestiça com roupas de empregada doméstica, branco e preto. Algo me dizia que ela usou roupas como essa a sua vida toda.

Ao contrário da maioria das pessoas, não tenho problema nenhum com os mestiços, eles sofrem tanto quanto nós, nesse mundo terrível e injusto.

— Bom dia, fico contente que esteja acordada. - Aquela mulher jovem tinha uma feição gentil, lábios levemente curvados. Ela adentrou no quarto e fechou a porta.

— Quem é você? - Perguntei hesitante.

— Sou uma das empregadas dessa mansão, me chamo Toky... E estou aqui para ver como você está.

— Eu sou a Mirai... O que está acontecendo? Eu... Posso ir embora daqui?

— Primeiro há uma pessoa que quer falar com você, antes de decidir ir...

— Uma pessoa? Aquele homem assustador de antes?

— Aquele Homem é o meu lorde, dono dessa mansão... E não é ele quem vai falar com você... - Ela deu um passou na minha direção, se aproximando.

— O que você quer dizer com ver como estou?

— Estou aqui para olhar seu ferimento, caso precisemos trocar o curativo. - Ela foi até a penteadeira, pegou uma caixinha de primeiros socorros na gaveta e se sentou na cama, próxima a mim.

— Está doendo... Foi você quem fez o curativo?

— Sim...

Observei seu cabelo preso sobre o ombro direito, ela abriu a caixa e colocou na cama.

— Cuidei de você a três dias atrás, quando chegou nos braços do meu lorde.

— Q-quê?! A três dias...? Dormi por tanto tempo?

— Sim, chegaram no meio da tempestade de neve, o ralem gelo já passou e o clima voltou ao normal mais uma vez. - Ela aproximou uma das suas mãos no meu pescoço e me afastei um pouco, desconfiada do seu toque.

— Mas... Fiquei dormindo aqui, depois que fui mordida?

— Isso mesmo... - Seu rosto gentil me passou tranquilidade, e deixei que ela mexesse no curativo. - Uh isso é bom, amanhã mesmo já podemos tirá-lo.

— Se cura tão rápido assim...?

— Parece que seu corpo aceitou bem, a mordida do meu lorde. - Ela trocou o curativo e prendeu com a fita esparadrapo.

— O que isso significa? - Vi suas mãos se afastando e ela se levantando, levando a caixinha junto dela.

— Você deve estar faminta, senhorita Mirai. Vamos para a cozinha, darei comida a você e o que mais precisar.

— Comida? - Coloquei a mão no estômago sentindo fome depois do que ela falou.

(...)

Sai do quarto com ela e me deparei com um corredor muito longo, as paredes vermelhas, luzes pequenas e brancas no teto e um carpete escuro no chão que sumia de vista. Caminhamos por muitos minutos, aquele lugar era gigante, como um labirinto vermelho e assustador.

— Que lugar é esse? Não vi muitas portas...

— Esse é o subsolo da mansão, é aqui onde nós mestiços ficamos. As portas que viu são de quartos como o que você estava dormindo.

— A cozinha está perto? E tão longe de onde eu estava.

— Estamos chegando.

Continuei seguindo ela, até que eventualmente vimos um arco sem porta. Ao entrar vi uma cozinha moderna, havia um lustre verde sobre a mesa, um balcão que separava a cozinha da mesa.

— Sente-se por favor. Vou preparar seu café da manhã, o que você gostaria de comer?

Olhei atônita para ela, ninguém nunca me perguntou o que eu gostaria de comer. Nunca tivemos muitas opções em casa.

— Senhorita?

— Eu... Qualquer coisa, por favor...

Ela colocou seu avental para cozinhar e foi para a frente do fogão. Me sentei na cadeira e olhei ao redor, aquele lugar me passava sentimentos estranhos, não tinha aroma algum, o papel de parede na cozinha era escuro, com alguns detalhes quadriculados de cor cinza.

Olhei para a empregada cozinhando.

— Você é uma mestiça mesmo? A quanto tempo trabalha nesse lugar? - Puxei assunto, porque alguns poucos minutos de silêncio me incomodou.

— Desde sempre...

— Ah... (Que resposta vaga... Afinal, qual das perguntas ela respondeu?) - Cocei a cabeça.

Depois de um tempo em silêncio, Toky veio até a mesa com um prato cheio de panquecas, um pouco de chá e mel para a cobertura.

Minha boca salivou ansiosa para provar aquilo, nunca comi panqueca! Ou mel, ou chá! Apenas ouvi falar dessas coisas caras, apenas os vampiros e Junkers tem condições de comer uma coisa dessas!

— E-eu posso comer isso? Tudo isso!?

— Se der conta... - Ela aproximou a xícara do meu prato e me entregou um garfo e uma faca.

— É claro que eu vou dar conta! Não como nada faz tempo... - Esqueci meus modos e comecei a comer tudo, desesperada, alegre, muito, muito contente com aquela comida, que só imaginava comendo nos meus pensamentos!

Toky observou a minha reação e em vez de rir ou sorrir, apenas me deu um guardanapo.

— Você parece muito contente com isso...

— Hum! - Meu rosto se iluminou depois que provei o mel, era tão doce quanto o chá, saboroso, tinha um gosto único, um gosto fantástico que nunca provei antes em toda a minha vida.

— A vida de um humano é assim tão miserável e medíocre?

Parei de comer e olhei para ela, estava com uma expressão estranha de repente.

— O... O quê?

— A vida de um humano fora dessas paredes, é assim tão deprimente?

— B-bem... (Ela está falando de um jeito estranho de repente...)

— Toky, meça suas palavras diante da nossa visita.

Virei meu rosto para a porta e vi uma mulher loira, usando uma roupa de empregada, mas era sofisticada, ao contrário das de Toky.

— P... Perdão... - Toky cobriu a boca se retraindo.

— E-está tudo bem! A culpa não é dela... - Balancei as mãos defendendo Toky.

Agir estranho era algo comum para um mestiço, por isso vivem assim... Um dia, falarei mais sobre essa condição que eles convivem. Mas isso sempre causa problemas, por isso são escravizados, vivendo em mansões e fazendas.

— Você deve ser a Mirai Haiseky, meu nome é Myssa Adnem, sou a governanta dessa mansão.

— Muito prazer!...

— Essa é a pessoa que iria falar com você...  Senhorita Mirai. - Toky parecia aborrecida por ter agido estranho comigo.

— Entendi...

Myssa se aproximou e se sentou na cadeira a frente da minha.

Fiquei tensa enquanto Toky servia uma xícara de chá para Myssa.

Capítulo 03

Olhei para a mulher loira a minha frente, ela tem uma aparência jovem, em torno de uns 25 anos. Mas sua pupila na vertical revela que ela com certeza deve ser mais velha que a invenção da lâmpada que está sobre nós.

— Então Mirai, não se assuste... mas investigamos sobre você.

— É um pouco difícil não se assustar com isso... - Falei tensa.

Ela riu e me deixou um pouco mais confortável.

— Eu imagino, mas vimos muitas coisas boas sobre você. É uma estudante dedicada, não tem muitos contatos, nenhum amigo, mora com sua tia e passa a maior parte do tempo no Jardim da sua casa.

Eu sorri de canto, sem graça.

— Me diga Mirai, você gosta de flores e plantas no geral?

— Eh?... Bem, sim... Eu gosto.

— Que ótimo, qual a sua favorita? - Ela pegou a xícara de chá e fiquei atônita por ela perguntar isso de repente, tentando ser casual.

— Gosto de Hortênsias...

— São lindas! Qual mais?

— E margaridas e botão de ouro... - Olhei para baixo, vendo meu reflexo no chá.

— Mesmo? Hum... - Ela pareceu pensativa. - Do que mais você gosta, Mirai?

— Eh?...

Ninguém nunca me perguntou uma coisa dessas antes... Não, na verdade, ninguém se importa com isso... Então, por que ela está perguntando isso? Por que faz todas essas perguntas casuais e estranhas para alguém como eu?

— Senhora...

— Sim?

— Eu... Não sei se entendi...

— Não entendeu? Eu perguntei de que outras coisas uma garota tão adorável como você gosta. Mirai, você gosta de comer?

— De comer? Eu gosto. - Falei estranhando a pergunta.

— Qual o seu prato favorito, Mirai?

Meu prato favorito... Meu prato favorito. Eu, não tenho um? Na verdade, não temos muitas opções de comida, é tudo tão caro, e as cestas básicas que ganhamos em troca do nosso sangue, tem apenas alimentos não perecíveis.

Não temos muitas opções de comida, não dá para modificar, não dá para criar uma receita nova sem que tudo fique com um gosto horrível. Qualquer coisa nova, criada a partir daquela comida, joga na nossa cara o quão miseráveis e oprimidos nós somos, por vocês Vampiros. "De que prato você gosta, Mirai"!?

— Arroz...

— Arroz?...

— Bem, gosto de colocar um pouco de caldo por cima, quando tem. Mas não acho que haja um nome para isso.

— Céus... - Toky colocou a mão sobre a boca.

Myssa desmanchou um pouco, o sorriso que tinha.

— Entendo... E quanto as roupas? Tem algum estilo que você goste mais?

— Um estilo?...

— Sim, você prefere as roupas mais justas, curtas, ou mais formais?

— Eu, gosto de blusas que tenham mangas, isso conta como um estilo?

Myssa suspirou.

— Você é muito interessante.

— I-isso foi sarcasmo?

— Mirai. - Ela disse com a voz séria de repente, como se chamasse a minha atenção.

— Sim!? - Falei com a voz trêmula.

— Você tem uma oportunidade de ouro nas suas mãos agora, então pense bem no que vai escolher.

— Eh?

— O meu lorde, o dono dessas terras, desta mansão, desta comida, e de todos nós, está doente.

— E-eu lamento.

Eu não imaginava algo assim...

— A doença dele inevitavelmente vai levá-lo a morte.

— ....

Não entendo, por que isso devia me importar? Todos os vampiros são ruins, não são? Nós humanos morremos todos os dias com doenças. E ninguém fala sobre isso, ninguém dá importância...

— Afinal... O que querem de alguém como eu?

— Aí é que está. O meu lorde provou do seu sangue, e os efeitos foram bons.

— Efeitos? É algo como uma cura? Não sei se estou entendendo onde quer chegar.

— Não é exatamente uma cura, seu sangue serve mais como um retardamento para a doença, faz ficar mais lenta e poupa o meu senhor de sofrer com inúmeras dores.

— É como um remédio?...

— Isso mesmo. Por isso, Mirai.

— Sim?

— Proponho a você que viva aqui conosco.

— Viver aqui!?

— Vai receber muitos privilégios em troca do seu sangue. É só o que precisa fazer.

— Que tipo de privilégios?

— Te daremos tudo o que você quiser.

— Tudo!?

— Bem, o que for possível, é claro.

— Então não é tudo... - Falei hesitante e ela riu.

— Bem, dinheiro definitivamente não é um problema para o meu lorde.

— Afinal, quem é essa pessoa tão rica assim? E porque eu? Por que não pode ser uma serva de sangue que tenha treinado para isso?

Myssa olhou para as mãos e suspirou.

— É complicado, meu lorde tem muitos inimigos. E tentativas de assassinato se tornaram uma coisa muito frequentemente no nosso cotidiano.

— Mas quem é ele? Quem é essa pessoa?

— Ele se chama, Kyo Hashimura.

Meu coração gelou e um suspiro assustado saiu dos meus lábios. Pela expressão de Myssa, ela tinha motivos para hesitar tanto em dizer o nome dele.

— K...K-....-.... Kyo!?

— Isso mesmo... Aquela pessoa.

Vamos lá. Kyo Hashimura, mais conhecido mundialmente como o Tredecilhão! "Uma pessoa infinitamente rica, tem tanto dinheiro que não se pode contar!" Esse é o vampiro mais conhecido do mundo, ele é quase como um fantasma neste mundo, ninguém sabe onde vive, o que faz, e não tem absolutamente nenhuma informação sobre ele na mídia.

Kyo Hashimura, tem a mesma quantidade de dinheiro que o imperador, tecnicamente, assim como o imperador, pode conseguir qualquer coisa, no entanto, isso é tão irônico agora que está doente. Realmente, o dinheiro não compra saúde.

— Então... Essa pessoa está doente...?

— Sim, então por favor pense no motivo de estarmos fazendo isso em segredo. Não querendo que a mídia saiba sobre o que ele está passando. Você entende, Mirai?

Que responsabilidade!

— Eu entendo! Eu entendo...

— Você concorda em morar aqui e dar o seu sangue a ele? Vamos pagar por isso.

— Pagar?

— Isso mesmo, você pode comprar o que quiser, comer o que quiser, ir a lugares que você sequer sonhou que iria, ser uma tão sonhada Junker, a Junker das Junkers.

— Eu...

"A Junker das Junkers"? Significa que serei uma humana Premium ou algo do tipo? Isso significa que sou melhor e maior do que qualquer outro ser humano? Que eu sou mais importante que os outros?... Eu não gosto disso, isso não é algo demais para alguém insignificante como eu? Tantas outras pessoas merecem mais do que eu.

Myssa me olhou enquanto a minha expressão se tornava uma crise existencial absurda!

— Mirai, olhe para mim.

— Eh? - Levantei meu rosto.

— O Lorde Kyo escolheu você, o Ralem gelo escolheu você, é o seu destino.

— Mas eu? Por quê?

— Não tenho a resposta para isso, e não conheço você o suficiente, mesmo que tenha investigado sobre você. Isso tudo não significa que eu te conheço, mas saiba uma coisa. Eu tenho um bom pressentimento sobre você.

— Um bom pressentimento?

— Sim, sei que você será uma pessoa responsável em ter um "poder" como esse. Que fará as escolhas certas, porque consigo ver isso em você. Então me diga, o que você quer agora? Diga e eu vou providenciar se aceitar o nosso acordo.

— Eu...

Que tipo de ser humano você será daqui em diante Mirai? Você vai provar que merece ganhar isso tudo? Você vai provar para si mesma que ser um ser humano melhor é mais do que ter dinheiro e tudo mais?

— Eu quero...

Você vai receber tudo de mão beijada dessa forma?

— Eu quero estudar.

— Eh? - Myssa ficou atônita com o meu pedido.

Toky riu atrás dela.

— Estudar? Você tem certeza que quer isso?

— Por favor, senhora. Não posso aceitar tudo isso assim... Preciso sentir que mereço isso, que mereço ganhar tudo, senão... Como vou dar valor a tudo que estão querendo me oferecer?

— Mirai... - O meu nome sai dos lábios dela.

— Me contento em viver num lugar que possam me tratar bem, viver num lugar onde sei que estou ajudando alguém, não apenas por dinheiro e outras coisas materiais. Quero desfrutar das coisas boas que me oferecerão da maneira certa, você... Me permite isso?

Ela ainda está atônita.

— Então, depois que terminar meus estudos, e juntar dinheiro o suficiente, vou abrir a minha tão sonhada floricultura e estarei tranquila por ter feito as escolhas boas, sabiamente.

— Entendo... - O rosto surpreso dela lentamente se transformou em um rosto gentil. - Vou providenciar uma escola boa para você, a melhor das melhores, porque depois do que me disse, merece as melhores coisas.

— O-outra coisa!

— Sim?

— A minha tia... Podem enviar 50% do dinheiro que eu ganhar e dar a ela?

— C-cinquenta porcento? Tem certeza?

Eu sorri.

— Eu tenho!

Capítulo 04


Estava na biblioteca da mansão, fica no subsolo. Poucos mestiços têm acesso, fui atrás de um livro que falasse sobre a doença do Lorde Kyo.

Myssa me pediu para ficar na mansão até ajeitarem as papeladas sobre o meu cargo aqui. E também, como uma precaução caso o Lorde Kyo passe mal de repente.

Procurei o meu telefone, mas não o encontrei, queria ligar para a minha tia e avisar que estou bem, mas Toky me disse que já avisaram ela da minha situação e inesperadamente minha tia aceitou bem. Quero dizer, depois que viu uma mala de dinheiro na frente dela.

Agora estou aqui, procurando por um livro que fale de doenças, — sendo que nem sei se tem.—  De qualquer forma é bom para passar o tempo, estive no meu quarto o tempo todo, enquanto tiravam as minhas medidas para comprar, e fazer algumas roupas. Me sinto como uma celebridade, o estilista até mesmo elogiou o meu tamanho!

E Myssa designou duas empregadas para me ajudarem com o cabelo e as roupas, elas são legais e falam mais do que a Toky.

Enquanto meus dedos roçavam na capa antiga dos livros, meus olhos se redirecionavam para uma porta no fim da biblioteca, fiquei tão curiosa que comecei a me aproximar.

Então toquei a maçaneta e a girei, abri a porta e não enxerguei quase nada, estava muito escuro lá dentro.

— Senhorita! - Alguém gritou. - Se afaste dessa porta imediatamente! - Era Toky, correndo até mim ofegante.

— Ah! O quê? Por quê?

Ela fechou a porta e ficou entre mim e ela.

— Desculpe te assustar... Mas essa porta... A entrada é estritamente proibida. Então por favor não chegue perto novamente. - Ela disse tentando não parecer grossa.

— Mas o que tem ali?

— Eu não sei, mas são ordens do Lorde Kyo e da senhora Myssa, para todos.

— Entendi...

— Que bom... Você encontrou o livro que veio procurar? - Ela começou a me puxar.

— Que ratinha curiosa... - Alguém murmurou, estava nos espionando sem que víssemos.

(...)

— Estive procurando esse livro nas bibliotecas da cidade! Incrível que eu o encontrei aqui, no meio de tantos livros velhos.

Estávamos em uma segunda sala da biblioteca, onde era para ler, havia três sofás e uma mesinha de centro onde Toky colocou a bandeja de Chá.

— Mesmo? É que às vezes alguns livros chegam para o Lorde Kyo, então os que ele não gosta ele manda para cá.

— Ah! Sério!? Mas esse livro é ótimo!

— Talvez não tenha sido o estilo dele, ou chamado a atenção.

— Entendi... - Peguei a minha xícara. - Então ele tem a própria biblioteca ou algo do tipo?

— Isso, alguns livros ficam na estante, no quarto dele.

— Entendo...

— Afinal, qual o nome desse livro?

— É, "A Rainha Egoísta!" Ouvi algumas garotas da minha escola falando dele.

— E sobre o que é? Senhorita Mirai? - Ela de sentou na outra poltrona.

— Uma garota de um mundo só de humanos morre, e entra em um livro medieval onde ela é Rainha!

Toky sorriu enquanto eu contava tudo o que ouvi falar, estava tão entusiasmada porque agora eu tenho a chance de lê-lo!

— Ah, Toky. - Peguei a xícara de chá e assoprei. - Pode me chamar só de Mirai.

Ela pareceu surpresa por eu ter dito aquilo.

— Somos colegas agora! - Eu sorri.

(...)

Depois de ler 3 capítulos da história para Toky enquanto ela bordava, ela me fez uma pergunta.

— Eh? "Por que aceitei me tornar uma serva de sangue?"

— Sim, para ajudar uma pessoa que você nem conhece...

— Ah, bom, eu não tive muita escolha... Reprovei na prova, e não posso ir para o ensino médio, e para piorar eu nem tenho pra onde ir... Já que a minha tia nem quer olhar para a minha cara...

— Então quando surgiu a proposta de viver aqui apenas pelo seu sangue, você aceitou?...

— Isso... E sem contar que me ofereceram coisas boas também, por isso senti que eu não podia deixar essa oportunidade única passar... Embora...

— O quê?

— Eu não me sinta digna de um trabalho assim...

— E por quê?

— Eu... Apenas penso que há outras pessoas que podem ajudar ele, melhor do que eu.

— Myssa já disse o que pensa sobre isso.

— E-eu sei! Mas... Não deixo de continuar pensando nisso... Que poderia haver outro jeito e...

— Precisa ser você, Mirai. Apenas você.

— Eh?

— Eu nunca vi o lorde Kyo errar, tenho certeza que você foi a melhor opção.

— Toky... - Fiquei tocada pelas palavras dela...

(...)

Longe dali, no quarto escuro e abafado de Kyo...

— As empregadas não param de falar sobre a menina no nosso subsolo. Boatos estão se espalhando silenciosamente pela mansão, mas ainda é possível ouvi-los pelas paredes.

— Não me importo, deixe falarem o que quiserem. - Ele lia um livro escorado na poltrona, o mundo atrás dele parecia desinteressante.

— Eu sei que você não se importa, o problema é que eu me importo... Você não disse nada sobre a sua doença para eles, ninguém sabe o que está acontecendo. E por isso estão todos inquietos. - Myssa olhou as costas dele, enquanto passava a página do seu livro. - Você sequer pretende anunciar a mídia?

— E de quê isso adiantaria mesmo?

— .... Lorde Kyo...

— Myssa, não podem fazer nada por mim. Se não podem me ajudar com essa doença, então... Não precisam saber dela.

— Você está muito tranquilo com isso... Por isso me assusta.

— Você sabe que se desesperar não é uma coisa que eu faria.

— Eu sei... Mas eu me desespero por você. Sofro no seu lugar. Não compreende?

— Eu sei... Agradeço por essa preocupação genuína.

— Sabe o que vai acontecer se...

— Eu sei.

— E que vão...

— Eu sei...

Myssa suspirou e olhou a lixeira cheia de panos ensanguentados.

— Está piorando...

— Recebi uma carta mais cedo... Junto da carta de confirmação da outra audiência.

— Uma carta!? - Se espantou, isso não era nada normal, ele raramente tinha contato com o mundo exterior.

— Sim... Selo vermelho.

O rosto de Myssa logo ficou pálido e ela foi até a cômoda dele, onde viu a carta aberta.

— Leia. - Kyo ordenou.

— "Caro Lorde Kyo, por obséquio venho solicitar que compareça a cede do concelho vermelho, onde aguardamos a sua presença para solicitar seus serviços..."

— Vê?

— E eu achando que não podia piorar...! - jogou a carta ao vento e ela lentamente caiu aos pés dela.

— Esse inferno não acaba nunca, não importa o quão debilitado eu fique ou quantos trabalhos faça. - Passou a página.

— Isso não é justo! Eles não têm o direito de... De forçar você a trabalhar novamente! E não tinha aquela promessa!? Que aquela pessoa fez?

— Promessas são só palavras sem poder algum.

— Ele prometeu que não te contrataria novamente!... Ele prometeu que te deixaria em paz, que você viveria aqui pelo resto da eternidade sem precisar se preocupar com mais nada!

— Não grite, por favor. Vai deixar os empregados ansiosos.

— Não tem como ficar calma nessa situação... - Ela sentou na cama e balançou a perna freneticamente.

— Tudo vai ficar bem.

— Não vai... - mordeu o lábio enquanto os olhos marejavam sentindo dor por ele. - Daqui a um tempo, você sequer vai conseguir andar, e logo não vai mais-

— Myssa.

Ela parou e abaixou a cabeça.

— Perdão, não quero piorar as coisas pra você...

— Eu sei. Apenas me deixe organizar meus pensamentos, acho que sei de algo que possa me ajudar.

— E-está falando da lenda...?

— Isso.

Myssa suspirou e se levantou da cama.

— Se você diz que tudo vai acabar bem... Então vou confiar na sua palavra.

— Obrigado.

Capítulo 05


Estava dormindo, esperando Toky me chamar para o jantar. Cheguei em uma parte tensa do meu livro e precisei de um tempo para digerir o que aconteceu na história, então no processo peguei no sono.

Mas logo acordei, alguém bateu na porta e olhei na direção dela, já me levantando.

— Uh? Toky? Está na hora? - Calcei as pantufas que ganhei, e fui abrir a porta, mas para a minha surpresa, Toky não estava ali. - Que estranho, será que ela veio correndo e deixou algo no fogo? - Pensei contente e fui olhar para as minhas pantufas até notar uma chave dourada no chão.

Eu a peguei, sentindo o metal gelado nos meus dedos.

— Ah, que isso?... Toky a deixou cair? - Observei o formato dela, parecia ser de uma fechadura antiga, e era pesado. - Uh, será que é feita de ouro!?

Me animei e a mordi, cerrei nos meus dentes e olhei, e não estava danificada! Parece ser ouro mesmo...!

Então me toquei que precisava devolver a Toky, deve ser de algo importante para ela. Ou algo importante para a mansão e não quero causar problemas a ela se eu ficar com isso.

Guardei no meu bolso e voltei para o quarto para me arrumar, então fui até a cozinha momentos depois. O que demorou um certo tempo, pois ainda estou decorando o caminho.

Esse sub-solo é um labirinto! Toky me disse para não caminhar muito por aqui, ou vou me perder e levará até dois dias para me encontrarem!... Ou... Será que ela apenas disse isso para eu não xeretar por aqui?

— Ah, Toky, boa noite! - Entrei na cozinha e me espantei ao ver o Lorde Kyo no sofá, ele estava esperando a janta? — Boa, boa noite, L-lorde Kyo...!

Ele não me respondeu, seus pensamentos pareciam distantes.

— Mirai, sente-se. Está quase pronto...

— Ah, você não foi me chamar agora a pouco? - Olhei Toky enquanto ela cortava uma fatia grande de carne vermelha.

— Uh? - Ela deitou a cabeça confusa.

— Você até deixou cair essa chave!... - Procurei no meu bolso e a peguei.

Kyo se levantou de pressa, vendo a minha mão levantar.

— Eh!? Ah! - Fui derrubada no chão, a chave sumiu da minha mão junto com o Lorde Kyo!

— Mirai! - Toky veio até mim e me ajudou a levantar.

— O que houve!?

— Você está bem? Onde pegou aquilo!?

— Você não a deixou c-cair?!

— Não fui eu!

Ela me puxou até a cadeira e me fez sentar.

— Será que eu fiz algo errado?... - Disse nervosa pela forma como fui tratada pelo Lorde Kyo.

— Você veio direto para cá?

— Sim! Você, você disse... Pra não andar muito por aqui! Então vim direto...

Toky olhou ao redor e voltou a preparar a comida.

— Será que eu devia ir atrás -

— Fique aqui! - Toky gritou.

Ela estava alterada novamente, mas logo se acalmou.

— Desculpe Mirai... Não é seguro você sair por aí, principalmente ir atrás do Lorde Kyo... Se alguém colocou aquela chave na sua porta...

— Uh? - Olhei para o rosto sombrio dela.

— Apenas fique por perto, o Lorde Kyo vai cuidar de tudo...

— Certo... - Abaixei a minha cabeça.

Esse lugar é muito estranho! Viver no meio de vampiros é... É... Assustador e empolgante ao mesmo tempo!

Quero muito saber o que está acontecendo, mas vou ter que me conter... Não posso causar problemas... Não posso. Eu só tenho um trabalho aqui, e não posso falhar nele...

— Toky, posso te ajudar na cozinha?

Ela me olhou.

— Pegue um avental.

(...)

O lorde Kyo parou de frente a porta no final da biblioteca e conferiu a tranca, seu rosto estava escuro, mas seus olhos vermelhos brilhavam no meio da escuridão.

Myssa que ouviu os passos de Kyo pela mansão, foi de encontro com ele e viu suas costas. Se aproximou hesitante.

— Meu senhor... O que aconteceu?

Ele jogou a chave para Myssa e ela a pegou no ar.

— Isso estava com a menina. Ela pensou que Toky havia derrubado próximo à porta.

— Então ela apenas foi devolver a Toky?

— Alguém aqui na mansão armou para que ela viesse aqui e entrasse. Sabe a gravidade disso, Myssa?

Ela estremeceu só de imaginar o que poderia ter acontecido com todos.

— L-lorde Kyo... Não sei o que aconteceu, ou como a chave foi parar nas mãos dela... Mas juro que vou encontrar quem fez isso.

— Além disso... Não há lugar seguro o suficiente nesta maldita mansão.

— Não mesmo, quando tantas mãos passam por esses lugares, são muitos empregados... - Ela ponderou.

— Vou mudar o esconderijo, vou deixar no meu cofre. Desta vez vou deixar passar... Mas...

A pausa que ele deu, fez com que Myssa recusasse dois passos.

— Você sabe o que acontecerá.

Da última vez que algo parecido aconteceu... Kyo mandou matar todos os empregados da mansão, mais de 100 deles morreram decapitados.

Foi algo cruel, muito sangue foi derramado nessas terras. Ele teve problemas com o concelho negro, mas conseguiu se safar de alguma forma.

— Quando uma maçã está podre no cesto, contamina todas as outras.

— Eu entendi o recado... - Ela apertou a chave e fez a referência.

— Destranque a porta agora, por favor. Vou entrar por um momento. Espere aqui e não deixe ninguém se aproximar, se fizer isso, morrerá. - Olhou ela indo abrir a porta.

— C-certamente... - Empurrou a porta e ele entrou.

Myssa fechou a porta atrás dele e suspirou se acalmando. Ela não queria que ninguém morresse novamente, ela amava todos os empregados porque os educou como uma boa professora.

Ela era a responsável pelo bem-estar deles, de todos os 300 mestiços que residem nas profundezas da mansão isolada. Se algo terrível acontecesse novamente, ela não se perdoaria.

— Eu juro, Lorde Kyo... Que vou encontrar quem fez isso.

(...)

Mais tarde...

Olhei o teto escuro, pensando no que aconteceu horas atrás, o Lorde Kyo não apareceu para o jantar. Mas Myssa foi até mim para fazer algumas perguntas e eu fui sincera em tudo.

— Sim, eu achei na frente da minha porta... - Me lembrei de antes.

— E você não viu ninguém?

— Ninguém, eu demorei um pouco pra levantar achando que Toky entraria, mas ela não entrou, então abri a porta.

— Entendo...

Olhei para Myssa, ela estava muito aflita com alguma coisa.

— Essa chave é muito importante?

— Você não faz ideia, senhorita Mirai...

— Minha nossa... Que bom que eu devolvi a tempo então!

Toky recolheu o meu prato.

— Eu já avisei Mirai sobre não se aproximar daquela porta e ela prometeu que não faria. - Toky disse com um olhar sereno.

— Sim! Eu não vou fazer nada, não quero causar problemas a ninguém.

Myssa levantou o rosto, agora ela parecia mais relaxada.

— Obrigada por ser tão compreensiva, Mirai.

— I-imagina! - Corei nervosa.

— Aliás, amanhã você sairá com o Lorde Kyo para assinarem alguns papéis, tá bom? Se não cumprimos essa burocracia teremos problemas.

— A-ah claro! Tudo bem... - Escondi o meu nervosismo.

Voltei meus pensamentos para quando estava no meu quarto. Virei meu corpo para a parede e fechei os olhos.

Mal posso esperar para tudo se ajeitar por aqui, é estranho viver nesse lugar novo. Se eu pudesse me acostumar mais depressa... Seria uma maravilha!

Capítulo 06


A noite, tive pesadelos com o dia que o Lorde Kyo me mordeu. Meu corpo suou e me revirei na cama tentando não relembrar a dor, meu pescoço já estava curado, mas eu ainda conseguia sentir as presas dele na minha pele.

A sensação foi a mesma que ter arame farpado entrando e saindo da minha pele por um buraco estreito. A ideia de enfrentar essas mordidas no futuro me deixava extremamente nervosa.

Tentei evitar pensar nisso durante o dia, mas os pensamentos acabaram se transformando em sonhos que me atormentavam.

— Venha, aqui... - Levantei abruptamente ao ouvir o sussurro ecoando nos meus ouvidos. Olhei ao redor no quarto escuro, tentando discernir se era realidade ou imaginação.

— Seja forte, Mirai... Você precisa ser forte...

Saber que alguém depende de mim, me deixa tão aflita de repente. Principalmente alguém como ele, que é tão misterioso e assustador. Nunca tive tanto contato com vampiros como estou tendo agora. No bairro humano, raramente um vampiro ou um mestiço passava por lá.

E agora, estar na presença de duas mestiças e um sangue puro... Não tem como ficar calma.

— Ah... - Sequei o meu rosto suado e deitei novamente procurando pelo sono, mas apenas não veio mais.

(...)

De manhã, levanto com as empregadas batendo na porta. Olho meu rosto no espelho enquanto elas trançavam o meu cabelo. Estou com um rosto cansado porque mal dormi, meu peito ficou gelado e acelerado e esfreguei as mãos a noite toda porque me acalmava.

Depois de estar pronta, fui para a cozinha e encontrei a mesa pronta, feita por Toky.

— Bom dia, Mirai! Você está linda.

— Mesmo? Muito obrigada! - Eu sorri animada.

— Seus olhos estão inchados. - Ela me olhou de perto enquanto eu me sentava.

— Ah, é?... Mal consegui dormir.

— Por quê?

— Ah... Estive ansiosa. - Peguei a xícara e coloquei diante de Toky.

— Devia ter ido ao meu quarto. - Ela colocou chá para mim, e se sentou.

— Mas eu nem sei onde é o seu quarto.

— Ah! Eu não disse? Que descuido o meu...

Eu sorri.

— É perto do banheiro, virando a esquerda, a quinta porta é a minha.

— Vou tentar me lembrar disso. - Mordi uma torta de morango e fiquei maravilhada pelo sabor dela. — T-Toky! Essa torta é deliciosa!

— Você gostou? - Ela sorriu com os olhos.

— Sim! Preciso da receita por favor!

Ela riu.

— Eu te passo, vai precisar de muitos morangos.

Ih, é mesmo... Isso é uma torta de morango, afinal... E morangos... São caríssimos!

Olhei a torta na minha mão e comecei a saborear, eu devo estar louca de comer isso com pressa!

Toky riu.

— Bem, talvez depois que eu tiver bastante dinheiro guardado, possa plantar meus próprios morangos.

— Você é boa com plantas?

— Ah, eu sei o que todos sabem... Mas quero estudar tudo o que eu puder sobre plantas, especialmente flores! - Tomei o meu chá e provei outro pedaço.

— Uhh... E você tem planos de estudar Botânica um dia?

Parei de comer.

— Ah, não sei se eu entraria em uma faculdade algum dia...

Se o ensino médio já é difícil para nós humanos...

— Tenho certeza que você poderá.

— Você acha?

Ela sorriu, estava sendo sincera comigo?

Depois que terminei de comer, me levantei e ia saindo da cozinha.

— Toky, vou pegar o meu caderno para anotar a receita! - Falei tão animada vendo ela concordar, quando me virei novamente mordi a língua com o susto. — Lorde Kyo!

Ele estava diferente, pude ver seu outro olho, que estava coberto por sua franja antes. Ele... Cortou o cabelo!

— Aonde vai?

— N-no meu quarto pegar meu caderno...

— Sairemos depois do meu café.

Ele passou por mim rapidinho, mas me senti tonta, como se um buraco fosse se abrir abaixo dos meus pés, foi tudo em câmera lenta para mim. Senti tanto medo por estar perto dele, esse homem tem uma presença avassaladora às vezes.

— Mirai?.... Mirai?

Estive atônita por um momento, olhando para o chão. Então meus olhos se ergueram e vi Myssa mexendo a boca, minha consciência pareceu voltar.

— S-sim?

— Você está bem?

— E-estou...

— Você está linda.

— Você acha? Muito obrigada... - Dei o meu melhor sorriso.

Depois... Acompanhei uma empregada e o Lorde Kyo até a saída, caminhamos bastante pelo sub-solo até chegar na saída, onde havia uma porta diferente.

Aquela porta dava entre duas escadas gigantes que levava até outra sala grande, e nessa outra sala vazia, cheia de janelas e cortinas, dava até outra sala, onde havia quatro sofás e uma outra porta.

— Caramba... Aqui é grande... - Olhei ao redor, então saímos.

Desci uma escadinha do lado de fora e observei o imenso gramado verde, havia cercas gigantes de metal muito distantes, e do lado exterior havia muitas árvores, a mansão era no meio de uma floresta escura!

Me afastei um pouco para olhar a mansão, era tão comprida que mal pude ver o fim, na frente dela havia uma fonte de água, e bem longe de onde estávamos, havia um lugar cercado de grades de metal, de longe pude ver que era uma área de lazer, fiquei ansiosa para ir lá qualquer hora.

— Uau! Nunca estive em um lugar assim antes... - Admirei aquele lugar; o bairro dos humanos caberia todinho aqui, e ainda haveria espaço para mais 5 bairros!

— Senhorita, por aqui! - Uma empregada chamou a minha atenção, vi um carro branco se aproximar, ele havia saído de uma garagem automática que se escondia debaixo do gramado.

— Ah! Estou indo! - Dei uma corridinha super animada até a empregada, ela fez a referência enquanto eu entrava no carro.

Eu estava tão animada e quase cega por aquele lugar, que só percebi de última hora que bati a porta do carro.

Meu coração gelou e eu estremeci percebendo o que havia feito...!

— P-pe-perdão! - Minha voz saiu grossa e morri de vergonha.

Ahhhhhh! Alguém me mata depressa!

Procurei o cinto de segurança, mas não encontrei, então notei que o Lorde Kyo também não estava usando um.

Será que é normal não ter cinto de segurança em carros de vampiros ricos e isolados do resto do mundo, que tem um olhar que parece que sugará a sua alma!?

O portão automático abriu, e olhei o retrovisor vendo a mansão lentamente ficar pequena. O caminho entre as árvores era longo, e tinha muitas curvas; tive que me segurar firme no banco para não bater na porta ou esbarrar no ombro do Lorde Kyo.

Ele parecia não se importar com o meu desconforto, não disse nenhuma palavra e sequer me olhou desde que entrei.

Quando a estrada já era asfaltada, eu apertei os dedos do meu pé, me sentindo indigna de estar naquele carro.

Carros são muito caros para nós humanos possuirmos um, 70% dos carros no mundo são dirigidos por vampiros, 20% são dos Junkers e o resto são carros de humanos que juntam dinheiro por gerações até conseguir o mais simples. Então pense no meu desespero quando agora a pouco eu bati a porta dele...

Nunca entrei em um na minha vida! Só vi eles por dentro por causa da televisão que mostra em alguns poucos filmes.

Há muitas outras coisas que são impossíveis para nós humanos comuns possuirmos por aqui, como, por exemplo, um comércio, um trabalho digno, ou qualquer outra coisa que seja um lazer. Não frequentamos — ou MUITO RARAMENTE - outros comércios, principalmente aquele que são apenas para vampiros. Não por ser proibidos para nós, apenas não há qualquer condição de comprarmos qualquer coisa.

O salário mínimo para um humano comum que trabalha como faxineira é de 140 Vampus. O máximo que um humano comum pode ganhar em trabalhos comuns são 400 Vampus. E os preços das coisas, no mais barato... Por exemplo, uma roupa de frio é de 1.000 Vampus, um sapato mais "barrelinha" é de 2.000. Você nunca consegue juntar o suficiente porque alguma coisa sempre estraga em casa, ou a sua saúde fica ruim de repente e você precisa gastar seu dinheiro suado com os hospitais.

Ou seja... É um sistema de Castas, não importa o quanto você nade nessas águas turbulentas, você nunca sai do lugar, nunca chega a praia... Nunca muda de vida, e não saí nunca da sua classe social. Quer dizer, alguns sortudos, como eu, às vezes conseguem... Mas, não tenho certeza se isso vai durar...

— Er... - Tirei meus olhos das árvores passando rápido lá fora.

O Lorde me olhou.

— ... Eu vou mesmo poder estudar depois que assinar o contrato, não é?

— Se foi esse o combinado entre você e Myssa... - Ele voltou a olhar a estrada.

— Certo, fico aliviada...

— Você sabe que não precisa estudar mais, não é?

— E-eu sei... Mas, eu preciso. É o único jeito de realizar meu sonho.

Ops! Eu não devia ter dito isso... Acabei falando sem pensar...!

— Sonho é?... - Ele pareceu incrédulo.

— Ah! Hahaha - Eu ri nervosa. - Qu-que idiota, não é? "Sonho" pff... - Disfarcei, mas as lágrimas começaram a enxer meus olhos.

Me lembrei do passado, quando eu disse isso na frente da minha turma inteira no jardim de infância. Ele riram de mim, e me chamaram de boba por ter algo assim. Foi cruel, desde então não falo mais de sonho.

— Ela disse que quer ter uma floricultura, que idiota! - Um menino riu de mim e os outros entraram na onda, então começaram a me chamar de "menina florista".

Resumi a história, mas isso aconteceu comigo até o 7º ano, quando esqueceram de uma hora para outra, e me deixaram em paz. Me afastei de todos na escola por conta disso, pensei que se não falasse com mais ninguém, eu não seria atormentada. Mas aí mudaram meu nome para "mudinha" o que me deixou muito mal.

Outras coisas aconteceram também, mas vou deixar isso mais para frente.

— Acho que você é a primeira humana comum que ouço falar de sonhos.

Fiquei em silêncio com medo do meu trauma acabar se repetindo.

— Mas não é idiota.

Virei meu rosto para ele.

— Você... acha?

— Cada um tem seu propósito de vida, todos buscam por um. Se o seu sonho é a luz que você precisa para viver neste mundo, então que seja. É seu, e ninguém vai tirá-lo de você. 

Fiquei muito surpresa por ouvir isso dele, eu definitivamente não esperava por isso.

— O meu sonho é...

— Não diga.

— Eh?

— Seu sonho, ninguém precisa ouvir, não diga as pessoas.

— Arg!... - Virei meu rosto.

Caramba, ele conseguiu destruir em um segundo a boa impressão que tive dele!...

Capítulo 07

Logo chegamos a CDCV, era um prédio vermelho, bem grande e cheio de janelas, tem 25 andares. O lorde Kyo parou o carro no estacionamento em frente a Cede, e descemos. Fecho a porta bem devagar, evitando repetir o que aconteceu antes.

Sigo o Lorde Kyo até a entrada, a porta de vidro se abre sozinha, fiquei boba com isso, então voltei um passo e ela se fechou, então se abriu de novo quando me aproximei. Ri disso sozinha, toda besta.

O senhor Kyo tirou um envelope do bolso e se aproximou do balcão enquanto eu olhava a recepção, todos os móveis e paredes são vermelhas, é bem evidente que eles gostam dessa cor. E a recepcionista, também tinha o cabelo vermelho, ela é muito bonita!

— Estou aqui para a reunião. - Kyo disse entregando o envelope, também da cor vermelha.

— Oh, sim, deve ser Kyo Hashimura... - Ela olhou o papel, parecia nervosa.

Kyo tamborilou os dedos na mesa esperando ela checar tudo. Curiosa com o lugar, vou até um aquário pequeno, e advinha qual era a cor da água? Sim, vermelha também.

— Sentem-se por favor enquanto eu faço uma ligação. - A recepcionista sugere, e o lorde Kyo vai se sentar, ele cruza os braços e olha ao redor.

Dou duas batidinhas no vidro falando com os peixinhos.

— Não faça isso. Se sente. - Ele me adverte.

— Ah! - Me afastei do aquário e sentei na cadeira em frente a dele. - Desculpe, é que nunca vi peixinhos como aqueles de perto.

Ele vira o rosto para a recepcionista, parece impaciente com a demora.

— Sim, isso... Ele está aqui, peço para subir agora?... Certo. - Ela diz no telefone e desliga olhando para nós. - Podem subir, por favor.

Fomos até o elevador e entramos, quando a porta se abre no vigésimo quarto andar, vou para perto da janela, fascinada, fico maravilhada pela altura. Os prédios abaixo e os carros parecem de brinquedo, como maquetes.

— Uau, nunca estive tão alto assim. - Sussurrei para mim.

— Você é muito estranha.

— Q-quê!?...

Ele abre a porta de uma sala e eu o sigo, apressada. Depois de entrar com ele, olho 6 pessoas na sala, cinco sentadas em uma mesa grande e um homem de paletó vermelho na frente da janela, em uma mesa própria.

— Estou aqui. - Kyo diz lançando seu olhar frio para todos da sala.

Não entendi a princípio por que ele disse neste tom, talvez, não esperassem que ele realmente fosse estar ali? Pensei.

— Sente-se, Kyo. Chegou bem na hora. - O homem principal diz. Já vi esse homem na televisão antes, seu nome é Koya, um dos chefões do concelho vermelho.

Kyo puxa a cadeira e se senta. As pessoas me olham, agora que o lorde Kyo não está mais na minha frente. Mas logo me ignoram. Olho ao redor, sem graça por não haver uma cadeira para mim. Serei a única em pé aqui.

— Enfim, chamei todos aqui para dizer que a polícia já eliminou os cúmplices de Mujo Shinoka.

— O terrorista...? - Pensei, ouvi algumas coisas na TV sobre essa pessoa.

— E isso seria do interesse do concelho vermelho, por que mesmo? - A única mulher da sala, tirando eu, disse.

— Porque ele fugiu de outro país e veio para o nosso, agora precisamos pegá-lo.
Então pensei em usar a captura dele em nosso favor, já que está perto da visita anual de novos membros, e alguém precisará patrocinar essa viagem... - Ele disse sugerindo algo.

— Deixa eu ver se entendi, quer usar a morte de Mujo como um espetáculo para os novos membros?

— Bingo! - Koya disse animado.

Todo ano os concelhos mandam pessoas de grande influência para visitar todas as Cedes principais de todos os concelhos, afim de conseguir apoio, patrocínio, e novas pessoas para cargos importantes. Parece que isso acontecerá agora.

— Além disso... - Koya chama atenção novamente. - Ouvi das minhas fontes que um membro em específico, que está no meio dessas pessoas, tem planos de entrar para o concelho negro, também tem ótimas recomendações, por isso, tenho certeza que ele vai conseguir entrar...

— O que está dizendo? - Um homem pergunta.

— O que quero dizer, é que precisamos usar a morte de Mujo para chamar a atenção desse membro e fazer ele ficar satisfeito, assim quando voltar ao seu país, onde o concelho amarelo tem influência, vai falar bem de nós. Logo... Isso vai chegar aos ouvidos de sua majestade, o rei.

Todos finalmente entendem o plano dele.

— Tão audacioso, senhor Koya... - Outro homem diz.

Apertei o meu punho. Não entendo, como podem falar de matar uma pessoa, de usar a morte dela como um espetáculo. Mesmo que seja um terrorista, isso é horrível...

O lorde Kyo não disse uma palavra sequer desde que se sentou, e ele está olhando fixo para a mesa, como se fosse perfurá-la com a mente. Ele devia dizer algo, eu preciso saber o que ele acha disso, o que ele pensa a respeito de matarem uma pessoa.

— Agora que todos entenderam o que será feito... Quem aí vai patrocinar tudo!? - Koya diz muito animado.

A pessoa que pagar não terá nenhum lucro com isso além de ser bem-visto. Sem contar que usarão bastante dinheiro, para bancar tantas pessoas assim...

— Senhor Muano?!

— Eu passo!

— Senhorita Latte?

— Eu já esgotei a minha cota de ajuda.

Koya lentamente ficou pálido vendo as outras pessoas recusando educadamente. Então sem que perguntasse nada...

— Obrigado por patrocinar tudo, Lorde Kyo! - Koya diz contente e o lorde Kyo vira o rosto. - Obrigado a todos por comparecer à reunião! Vou entrando em contato para avisar sobre como tudo está indo.

As pessoas se levantaram e todas foram embora, ficando apenas nós três.

— Myssa me ligou... - Koya disse com a voz sombria, não era mais a pessoa animada de antes. - Sobre a sua saúde...

— Ela fofocou pra você? - Kyo cruzou os braços vendo Koya pegar alguns papéis pretos.

— Se envolve a sua saúde, eu iria saber uma hora ou outra... E achou mesmo que eu não iria perceber se algo estivesse errado com você? Do nada aparecendo aqui para assinar papéis com uma serva de sangue... Eu somaria um mais um.

Olhei ambos tentando adivinhar que relação eles têm.

— Precisa aprender a cuidar da sua vida.

— Estou cuidando da minha família.

Olhei atônita para o rosto de ambos.

— Ah, como pude ser descuidado. - Koya riu e me olhou. - Seu nome é?

— Ah, é Mirai! Mirai Haiseky.

— Haiseky? - Ele pareceu atônito. - Que sobrenome curioso...

— Dá para irmos rápido com isso?

Koya deu uma caneta a Kyo e ele escreveu sua assinatura no papel. Escrevi meu nome no papel depois do Lorde Kyo, e Koya o guardou em uma pasta.

— Senhorita Mirai.

— Sim? - Entreguei a caneta a ele.

— Por favor, faça o seu melhor para ajudar Kyo. Eu o conheço desde sempre, é como um irmão mais novo para mim. Pode ser ignorante às vezes, mas... É uma boa pessoa.

Kyo bufou alto atrás.

— Pode deixar, eu vou fazer o meu melhor.

Koya apertou a minha mão.

— Kyo, entro em contato com você para avisar sobre a viagem.

Ainda não sei se entendi muito bem, o Lorde Kyo vai viajar com eles? Para onde? Quero saber sobre esses detalhes! Sou curiosa!

Saímos da sala de Koya e fomos para o elevador.

— Agora que assinei o contrato, eu posso ter o meu telefone de volta? Preciso ligar para a minha tia e avisar que está feito.

— Você não tem mais telefone, eu joguei aquele fora.

— O QUÊ!??? JOGOU FORA!??

Capítulo 08


Depois de tudo, nós retornamos a mansão. E dessa vez prestei atenção no caminho, a mansão fica próximo ao topo de uma montanha, é bem isolado, cheia de árvores ao redor. A propriedade é privada e cheia de animais selvagens e coisas do tipo na floresta, a entrada é estritamente proibida para qualquer pessoa.

Quem vê a mansão assim no meio do nada pensaria que está abandonada, ou que ninguém seria capaz de viver ali.

— Por que você mora tão longe assim? - Observei o portão ser aberto por um funcionário e Kyo entrar com o carro.

— Gosto de silêncio e sossego...

É estranho que alguém que tenha tanto dinheiro assim, viva dessa forma no meio do nada. Além disso, ele com certeza tem dinheiro o suficiente para viver numa mansão 50 vezes maior que essa, mas não o faz...

Abri a porta do carro para sair, enquanto ele apertava o botão de um controle e o gramado levantava mostrando seu estacionamento secreto.

— Deixe a sua mala pronta, hoje mesmo.

Sai do carro e olhei para ele.

— Vou com o lorde Kyo? - Perguntei atônita, pensei que ele iria sozinho nessa viagem.

— A partir de agora, onde eu for, você vai junto.

— Ah... Tá bom! - Sorri animada com isso.

Vou viajar! Pela primeira vez na minha vida!

Fiquei tão animada com isso que bati a porta do carro novamente.

— PERDÃO! - Gritei.

(...)

Depois de almoçar com Toky, nos sentamos no sofá para descansar e contei a ela que iria viajar com o lorde Kyo, então ela me ajudou a fazer a mala.

Depois de fazer a mala, pedi a uma empregada para me levar até um telefone, afim de que fosse avisar a minha tia sobre a viagem.

— Por aqui senhorita... - Fomos para a parte superior da mansão e ela me levou até um corredor sem saída onde havia uma mesinha e um único telefone fixo.

— Obrigada, vai se rapidinho... - Peguei o telefone e disquei o número de casa, minha tia atendeu.

— A-alô? Tia, como a senhora está?

— Mirai? Estou muito bem. Por que me ligou?

— Para avisar que vou viajar com o lorde Kyo, m-meu telefone estragou, então a partir de agora vou ligar pelo telefone da mansão.

— Hm...

— E também... Assinei o contrato com ele hoje cedo, agora sou uma serva de sangue! E vou viver aqui... Então vou ligar sempre que puder.

— Tudo o que você disse eu já estou sabendo.

— Mesmo? Já? Como?

— Recebi uma carta de uma tal de Myssa...

— Ah! É a governanta da mansão... Que bom que a conheceu!

— Hm...

— Mas então... Tá tudo bem para a senhora se eu ficar aqui? A partir de hoje?... É que vir todos os dias seria um problema, aqui é um lugar bem afastado daí de casa...

— Você fala como se eu me importasse.

Ouvi um barulho estranho do outro lado.

— .... Também amo você! Beijinhos...

— Acho que ela desligou... - A empregada pensou com a mão na testa.

(...)

Antes de anoitecer algumas coisas chegaram da casa da minha tia, alguns itens que são meus... Ela enviou através de um empregado da mansão que foi buscar meus pertences.

Arrumei o meu quarto novo com a ajuda da Toky, estamos nos dando bem.

— Sabe, tenho a sensação de que você fica bem mais calma ultimamente. - Falei a Toky enquanto eu organizava meus sapatos.

— Você acha?

— Sim, você não deu aquele pequeno surto mais...

Ela riu.

— Myssa me deu alguns calmantes, disse para tomar sempre que for ficar com você.

— Ah, então é por isso?

Ela sorriu.

— Sim, eles me fazem bem, então não se preocupe.

— Entendi...

Myssa provavelmente pensou na minha segurança, já que os mestiços...

— Ahhh! Meu filho! Ele atacou o meu filho! - Me lembro de uma mãe gritando no meio da rua, porque um empregado de alguma casa vampírica foi violento de repente.

Foi há seis anos, quando eu voltava da escola, havia um pouco de sangue na rua, o rosto daquele homem estava sujo de sangue e todas as pessoas olhavam amedrontadas para ele. Minha tia me contou que os mestiços eram proibidos de entrar nos bairros dos humanos e que por desrespeitar essa regra, ele foi provavelmente sentenciado a morte pelo conselho vermelho.

Esse não é o primeiro caso, coisas assim acontecem às vezes, quando os mestiços aposentados estão com dificuldades de se acostumar com a rotina nova. Então alguns acabam cometendo esse deslize fatal... E acabam obviamente mortos.

(...)

No dia seguinte... Me encontrei com o lorde Kyo na cozinha.

— E então? Suas malas já estão prontas?

— Na verdade, é só uma mala, não tenho tanta coisa pra levar... É a minha primeira viagem sabia?

— Deu pra notar... - Ele pegou sua xícara e observei como as mãos dele são bonitas, e também delicadas.

Acabei me acostumando com os olhos dele, e em vez de ter medo, comecei a achar bem bonito. Vermelho é uma cor linda, era a favorita da minha mãe, por isso os laços na minha cabeça...

— O senhor Koya acabou de ligar, disse que o ônibus já está pronto para levar todos. Então só faltam vocês dois para irem. - Myssa entrou na cozinha.

— Já? Então peça para tirarem meu carro da garagem... - Ele bebeu seu chá e murmurou. - A viagem vai ser uma droga...

— Sobre isso, o senhor Koya deixou bem claro que você vai ir com eles no ônibus.

— Você tá brincando, né?

— Não senhor. Koya disse que você vai ir com eles, enquanto ele dirige você precisa passar uma boa impressão para os convidados.

— Desgraçado!

Dei risada disso. A pior coisa que existe para um Anti-social é a necessidade de interagir com os outros...

(...)

Já na frente da Cede do CV, descemos do carro e acenei para o senhor Koya que estava de frente para o ônibus.

— Bom dia, senhor Koya! - Gritei.

Ele virou a cabeça para nós e sorriu.

— Bom dia, pensei que não fossem vir mais, já que demoraram...

Nós aproximamos mais.

— Levando em conta a personalidade do Kyo, tenho certeza que teria me abandonado e mandando apenas um empregado com uma mala de dinheiro aqui.

Olhei para Kyo, ele realmente comentou sobre isso durante a discussão com Myssa na frente da mansão.

— Você me conhece tão bem, chega a ser assustador.

Koya riu.

— É melhor vocês entrarem, todos estão lá dentro esperando ansiosamente.

Dei minha mala a Koya que colocou no bagageiro junto da mala de Kyo. Subimos no ônibus depois disso. Olhei atônita para as pessoas sentadas, todas são homens, e alguns não gostaram muito de me ver ali...

— T-teria sido melhor se tivéssemos vindo de carro... - Chorei por dentro.

Kyo se sentou nas primeiras poltronas, ao lado do corredor e eu me sentei ao lado da janela, procurei pelo cinto de segurança, mas não achei.

— O Lorde Kyo... - Cochichei para ele, vendo ele abrir um livro.

— Hm? - Ele não tirou os olhos da página.

— Por que esses carros e ônibus não tem cinto de segurança? - Falei bem pertinho dele, constrangida por fazer essas perguntas.

— Porque esses ônibus e carros são projetados apenas para vampiros.

— E?

Ele suspirou antes de me responder.

— Significa que em um acidente, ninguém aqui vai morrer e sequer se machucar.

— M-mas e eu? - Choraminguei.

— Sabe rezar?

Ele passou a página e ficou em silêncio. Suspirei aflita com isso e torci para Koya ser um bom motorista, o ônibus foi ligado e partimos.

Capítulo 09


Durante o percurso, fiquei acompanhando a leitura do livro do lorde Kyo já que eu havia esquecido de trazer um livro também. Ele passou a página para o lado.

— Espera um pouquinho, volta ali... - Fiz ele voltar a página e dei uma lida na última parte. - Espera, ele era o assassino esse tempo todo?!

— Sim... - Ele passou a página novamente enquanto meu cérebro processava a história.

As pálpebras do lorde Kyo e debaixo do seu olho estavam vermelhas devido à doença, dava para ver as veias minúsculas na pele dele. Ouvi pouca coisa sobre essa doença nas revistas, e nos jornais, embora não pareça... há um tabu em relação a ela, e pouco se fala sobre a sua letalidade.

Continuei acompanhando a leitura com ele até o final, foi bem agradável e emocionante.

— Lorde Kyo... - Olhei ele se levantar e abrir o compartimento de guardar malas e colocar o livro ali.

— Hm?

— Pode me explicar como tudo isso vai funcionar? Como exatamente vamos encontrar Mujo?

Os homens sentados nas poltronas ao nosso lado começaram a murmurar sobre a minha pergunta. O lorde Kyo se sentou novamente e fez questão de me contar, ignorando aqueles homens.

— Todos os hotéis da cidade, aonde estamos indo, vão estar ocupados. Exceto um, o único lugar onde ele pode se hospedar será lá...

— Mas o rosto dele é conhecido, como exatamente isso funcionaria? Tipo, não seria estranho demais para ele se hospedar em um hotel?

— Ele não tem nenhum contato aqui, ninguém conhecido que poderia abrigar ele. Ficar na rua está fora de cogitação...

Refleti.

— Além disso, ele não é o tipo de pessoa que está acostumado com crimes, foi um secretário para o imperador por poucos anos, e as pessoas são diferentes, vistas na televisão e pessoalmente...

— É mesmo?

— Você por acaso decorou o rosto da última pessoa que viu na TV?

Pensei um pouco tentando me lembrar.

— N-não detalhadamente...

— Exatamente, apenas profissionais conseguem se lembrar de detalhes assim, e vamos ser sinceros, esse tipo de gente não existe em qualquer lugar... Mujo vai se hospedar lá, e será pego, simples e direto.

Concordei com o lorde Kyo, ele me explicou muito bem a situação. Mas, ainda estranhei toda essa história...

Se Mujo é considerado um traidor e foi nomeado terrorista... Por que o rosto dele não foi estampado em todos os lugares? Por que não explicam essa história direito? Essa situação toda é muito estranha, mas apenas fazem vista grossa sobre isso.

Este mundo, às vezes, é completamente injusto e cruel... Colocam os vampiros no topo, porque são a raça predominante, colocam nós humanos no meio desse sanduíche de classes e espremem os mestiços abaixo de nós, maltratam e escravizam porque são "imperfeitos" me pergunto se algum dia essa história pode mudar...

A noite logo chegou, e o ônibus não parou em nenhum momento, tentei dormir, mas fui atormentada pela minha mente, me fazendo imaginar que se batermos em alguma coisa, e vou ser a primeira a sair voando!

A vontade de ir ao banheiro começou a surgir, tentei me segurar o máximo possível, mas foi piorando.

— Lorde Kyo, posso ir ao banheiro? - Cochichei e olhei para ele, mas seu rosto estava escuro e ele dormia.

Observei o vermelho dos seus olhos e pensei no quão cansado ele estava, então apenas decidi não acordar ele.

Me levantei devagar, segurei na cabeceira das poltronas e fui até o banheiro pequeno no final do ônibus. Fiz o meu xixizinho tranquilamente e senti alívio pela tortura ter acabado. Lavei minhas mãos e me segurei firme nas paredes quando o ônibus balançou passando por uma lombada.

— Argh... - Abri a porta e sai.

Fui boba de pensar que poderia voltar para o meu assento sem ser incomodada, mas o destino disse;

— Aonde vai princesinha? - Um homem que estava em um espaço vazio agarrou a minha mão.

— P-para o meu assento senhor...

— É uma ótima hora para você passar por aqui, estou com sede...

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele me puxou para o colo dele.

— M-mas senhor...

— Seja boazinha e não me deixe passar sede... - Ele me interrompeu e sem dizer mais nada, apenas cravejou seus dentes em mim.

Minha pele foi perfurada e uma dor aguda tomou conta de mim, meu corpo paralisou e não consegui reagir, não consegui empurrar ele... Meu corpo não me obedeceu! Fiquei com tanto medo que fui submissa aquela dor.

— Hn... Senhor... - Murmurei apertando meus olhos com força, eu me odiei por não fazer nada.

A mordida dele é completamente diferente da do Lorde Kyo, ela é forte e intensa, e machuca a cada movimento da sua boca enquanto traga o meu sangue. A dor é horrível e violenta, aperto os meus olhos com força.

Os outros homens sentados em volta olham a situação e fazem vista grossa, viram o rosto e fingem estar dormindo, apenas ignoram o que está acontecendo.

— Ai... Aiai... - Gemi de dor e desespero.

Não quero causar uma confusão dando um grito, não quero incomodar essas pessoas importantes e dar problemas ao lorde Kyo...! Não quero perder tudo por fazer um escândalo no meio da viagem...

Mas está doendo tanto...!

— Dói... - Apertei o blazer daquele homem.

— Mocinha... Que sangue delicioso você tem... - Ele lambeu os lábios e me mordeu outra vez.

Me lembrei de alguns anos atrás, na época da escola, essa memória passou de repente...

— Ei, Mirai... Fiquei sabendo que terminou o seu trabalho sozinha, pode fazer o meu também? - Uma colega perguntou.

Não consegui dizer não para ela, então aceitei...

— A Mirai aceitou fazer o meu trabalho, acredita? - Ela contou a outra menina e isso se espalhou na sala.

Logo minha carteira ficou cheia de cadernos, todos queriam que eu fizesse o trabalho e as atividades deles, e na esperança de fazer eles gostarem de mim, disse sim para todos.

— Ela faz tudo que a gente pede!

— Que sorte a gente ter uma aluna assim na nossa sala...

Escutei meus colegas conversando um dia.

— Ela é igual a um cachorrinho, que sempre faz tudo que o dono pede! - Um aluno riu.

Minha vida escolar até o nono ano foi um inferno, fiz de tudo para agradar todos e depois simplesmente me ignoraram... Só me procuravam para fazer tarefas, fui deixada de lado.

Essa memória passou pela minha mente porque estou obedecendo a esse homem também, não consegui dizer "não" e não consigo gritar e fazer escândalo, porque não quero perder tudo o que consegui até agora. Não quero que o Lorde Kyo me deteste por arruinar tudo... Não quero ser um peso para ninguém...

Mas eu... Mas eu não aguento mais...

— Deusa... - Minha voz saiu trêmula e as lágrimas que eu estava segurando ferozmente escaparam dos meus olhos sem a minha permissão. - Me ajuda... por favor...

— Lanchinho da meia-noite?

Soltei um suspiro instalado na garganta, olhei para o Lorde Kyo próximos a nós.

— !? - O homem que estava me mordendo olhou assustado para o lorde Kyo.

— Estou atrapalhando?

— Kyoooh.... - Não consegui evitar chamar por ele.

— E-ela está com você, lorde Kyo?... E-eu não sabia. - Ele foi dissimulado.

— Não me deixe irritado, larga a menina.

O homem me soltou na hora, e pulei do colo dele na mesma velocidade que ele havia me puxado. Me senti um pouco tonta, mas peguei a mão do lorde Kyo.

Ele me ajudou a voltar para o assento. Enquanto eu me sentava colocando a mão no meu ferimento, ele foi até a cabine do motorista e pegou um kit de primeiros socorros com Koya.

— Consegue fazer o curativo sozinha? - Ele voltou.

Parei de chorar e olhei para ele.

— Não sei... - Minha voz saiu trêmula.

Ele se sentou, acendeu a luz de cima e me ajudou a fazer um curativo no pescoço. Os passageiros ao lado começaram a cochichar baixinho sobre a estranha atitude do lorde Kyo em relação a mim.

Olhei para ele, que estava bem quieto, pensativo com a situação. Suspirei tentando dormir mesmo com aquela dor chata no pescoço.

O dia seguinte chegou, descemos primeiro e pegamos as nossas malas no ônibus.

— Esse é o hotel, vamos descansar, que amanhã vão dar um jeito de trazer Mujo para cá. A polícia e os especialistas vão dar um jeito de redirecionar ele para esse lugar. - Koya falou animado.

Capítulo 10

Estávamos entrando no Hotel para falar com a recepção sobre o caso, e para providenciar o quarto para os convidados.

Olhei para o lorde Kyo enquanto entravamos, e depois olhei para trás vendo aquele homem de ontem, conversando com os outros como se nada tivesse acontecido...!

— Nada vai acontecer com ele, por ter feito isso comigo? - Pensei. - Tão injusto... - Coloquei a mão no meu pescoço.

— Podia ter me acordado...

Olhei para o Lorde Kyo.

— Eu não queria incomodar ninguém...

Ele me olhou em silêncio, a porta da recepção abriu e nós entramos indo diretamente até o balcão. Alguns hóspedes estavam sentados assistindo à TV, olhei para a recepção, maravilhada por entrar pela primeira vez em um lugar chique.

— B-bem vindos ao Green Palace, como posso ajudar? - A recepcionista olhou para a mancha de sangue na minha roupa e depois para o lorde Kyo.

— Bom dia, quero 12 quartos por favor, entregue as pessoas daquele ônibus.

— Vocês são do Concelho vermelho, certo?

— Isso, e por favor não conte a ninguém sobre esse ônibus.

— Tudo bem, não vamos dizer nada... - Ela começou a digitar no computador e pegar as chaves dos quartos. - Qual vai ser a forma de pagamento?

— Cartão... - O Lorde Kyo pegou sua carteira no bolso e colocou um cartão preto em cima do balcão.

(...)

Abri a porta do quarto e admirei o lugar.

— Aaaau! É bonito! - Entrei.

— Não é nada de mais, esse é só um hotel de segunda. - Ele colocou a mala dele em cima da minha.

— Ah, como você pode dizer isso!? - Passei a mão na poltrona e olhei pela janela. - Tem um jardim! Esse lugar é muito aconchegante, e olha! Tem chocolate em cima da cama... - Peguei um e olhei para a cama. - M-mas só tem uma...

— Eu fico na poltrona. - Ele se sentou.

— Tem certeza? Eu não me importo de dormir no tapete...! - Falei sem graça.

Ele balançou a cabeça.

— Melhor ir se lavar, almoçaremos daqui a pouco...

Olhei para ele.

— T-tem razão, vou tomar um banho e trocar o curativo... - Peguei a minha roupa na mala e fui para o banheiro.

— Não demora.

— Táá...

(...)

Depois de trocar o curativo e tomar um banho, fomos para fora do hotel, nos sentamos em uma mesa afastada dos outros membros para almoçar.

— Por que não ficamos com eles lá dentro? - Perguntei vendo o garçom colocar nossos pratos na mesa.

— É muito barulhento.

Olhei o meu prato e comecei a comer.

— Aqui é tão fresquinho... - Peguei o copo de suco.

— Sim... - O Lorde Kyo começou a comer.

— Lorde Kyo, por que seus olhos estão vermelhos assim? D-digo ao redor deles...! Eu pensei que meu sangue estivesse te ajudando a melhorar...

Ele mastigou e demorou um pouco pra responder.

— Eu não tomei o suficiente.

— Ah!

Então ele precisa de mais? Ele só tomou aquele dia... Por que ele está demorando tanto agora? O que ele está esperando?

— Então você precisa beber mais para melhorar, se você quiser, eu posso te dar um pouco hoje...

Ele me olhou seriamente e seus olhos brilharam, de um jeito assustador.

— E por acaso você sente que está pronta?

Abaixei a minha cabeça.

— M-mas esse é o meu trabalho agora... Pronta ou não, isso não importa... - Apertei minhas mãos debaixo da mesa.

— É assim que você pensa?

— Ah...

Talvez ele tenha razão em me questionar, e me fazer questionar também... Estou mesmo pronta para isso tudo? Me senti tão incomodada quando aquele cara bebeu meu sangue... A dor a angústia que senti... Foi horrível e eu paralisei.

— Pense sobre isso, quando estiver pronta, me avise.

Olhei bem para ele, e me senti bem de repente. Tive a impressão errada do lorde Kyo antes...

— Mesmo? No fim das contas, o lorde Kyo é uma pessoa muito, muito gentil! - Sorri me sentindo bem.

— Se me conhecesse de verdade, não diria isso.

Olhei para ele, dessa vez o sorriso do meu rosto desapareceu lentamente por causa da expressão sombria que ele estava fazendo.

— Eh...? - Senti a atmosfera refrescante ficando tensa e pesada outra vez, o clima agradável entre nós, despareceu.

Continuamos o almoço em silêncio, refleti sobre as palavras do lorde Kyo, não entendo o que ele quis dizer com isso... E estou confusa, simplesmente não sei mais qual tipo de impressão ter, sobre ele. Sempre que acho que ficaremos bem, ele diz algo legal e momentos depois destrói essa impressão agradável.

A noite logo chegou e eu dormi tranquilamente na cama, o Lorde Kyo passou a noite sentado na poltrona, lendo outro livro.

O temível dia seguinte chegou, eu e o senhor Kyo tomamos o café da manhã do hotel e ficamos no jardim enquanto eles preparavam tudo para receber Mujo.

A polícia avisou que ele estava indo a caminho do Hotel, tudo estava preparado, enquanto eu olhava as flores fiquei pensando na situação de Mujo.

— Isso é mesmo certo? Uma pessoa vai morrer hoje... - Pensei aflita.

O lorde Kyo parecia bem calmo com a situação, a expressão dele era como a de alguém que não estava nem aí com tudo isso. Como se fosse um tédio. Fiquei assustada com essa frieza, mas não falei nada.

— Lorde Kyo...

— Sim?

Olhei para ele, estava sentado no banco do jardim, mexendo no seu celular.

— A morte de Mujo é mesmo o único caminho?

— É uma sentença imperial...

— Do próprio imperador...?

— Já falei para parar de ficar pensando nisso, não há nada que você possa fazer. Quanto mais pensar... Mais vai ter vontade de fazer algo.

Mordi o lábio aflita, imersa nas palavras dele. Ele diz como se fosse uma experiência pessoal...

Mas não é melhor pensar nas consequências antes de fazer algo? Mesmo que seja a morte de alguém que "mereça morrer"...

É melhor ouvirmos o lado dele, deve a ver uma explicação para os seus crimes, sempre há o segundo lado da moeda...

As horas pareciam passar lentamente e meu coração pulsava ansioso, eu ainda estava ponderando, lidando com os meus questionamentos, lutando internamente contra mim.

Reuni algumas flores e me sentei ao lado do lorde Kyo durante uma ligação que ele estava tendo com alguém.

— Você tem certeza disso?... - Ele falou para alguém no telefone. - Já verificou os papeis antigos?...

Olhei para ele enquanto fazia um colar de flores, questionei sobre o que estava acontecendo e com quem ele falava... Ele logo desligou o telefone, e olhou irritado para frente.

— Hora de ir...

— M-mas já!? - Me levantei e segui ele para dentro do Hotel.

(...)

Em um corredor qualquer, alguns homens estavam do lado de fora, escutei sons de pancadas vindo de um quarto. A porta foi aberta e fiquei horrorizada vendo um homem no chão, sendo chutado por dois homens.

— Ele foi tão idiota... - Um dos homens disse, olhando para dentro do quarto.

O lorde Kyo entrou e eu o segui, meu coração apertou vendo aquele homem tão magro e machucado no chão, ele sequer estava reagindo, apenas apanhava em silêncio.

A porta foi fechada depois que o senhor Koya entrou com um sorriso sádico.

— Estão todos aqui? Que ótimo...

Mujo levantou a cabeça e estremeceu, escutando a voz de Koya.

Capítulo 11


— Precisa ser realmente muito tonto para ter a péssima ideia de se hospedar em um hotel... Fracamente, você é o pior tipo de terrorista que eu já vi... - O senhor Koya disse.

Mujo abaixou a cabeça.

— Chega a ser decepcionante ver você sendo pego de um jeito tão patético depois de tudo o que fez... - Koya estreitou os olhos.

— Parece que arrancar as suas presas não foram o suficiente, não é? - Um dos convidados disse apertando o punho.

Segurei a roupa do lorde Kyo pensando nessa crueldade. Arrancar as presas de um vampiro é uma forma de punição, onde o indivíduo não é mais considerado parte da sociedade vampírica. Mujo foi submetido a isso, aparentemente, antes de se tornar um foragido.

— A presa de um vampiro, é sua honra... Arrancar isso deles... - Pensei aflita. - É uma humilhação...

Mujo mordeu o lábio e apertou o seu punho com força enquanto os convidados diziam palavras cruéis a ele.

— De qualquer forma, mesmo que tenha sido apanhado... - Os olhos verdes do senhor Koya brilharam impiedosamente. - Os seus crimes contra sua majestade não serão perdoados.

Então Mujo gritou.

— Eu disse desde a minha sentença que não iria parar! Até conseguir justiça!

Olhei para todos enquanto murmuravam.

— Ele ainda insiste nisso? Que idiota... - Um dos convidados comentou com outro, vendo a cena.

Mujo suspirou cortando o ar elétrico e pesado na sala.

— Eles mataram o meu filho... Ele não havia feito nada...

— Você ousa falar de justiça? - Um dos homens disse.

— Você planejou o assassinato e matou três policiais que apenas estavam exercendo a sua função. O seu filho, que você colocou com tanto esforço para trabalhar na corte imperial, não obedeceu às leis de trânsito. Os policiais foram repreendê-lo e ele reagiu de forma violenta com uma arma... - Koya finalmente revelou a história.

— Vocês estão cegos? Não percebem que isso está totalmente errado!? - Mujo olhou para todos, inclusive para mim, como se eu também fosse uma acusadora... - O meu filho era inocente...

Os homens murmuram, não pareciam sensibilizados. Apertei a roupa do lorde Kyo a tensão estava tomando conta de mim.

— Meu filho era um bom rapaz, uma pessoa honesta... Se dirigiu rápido assim, devia estar em alguma emergência! Estive investigando, mas me barraram, não me deixaram falar com o rei! - Ele olhou para Koya.

— Já chega! Seus crimes já foram julgados pelo juiz, se você achava que tinha a razão, então, por que fugiu!? - Um homem mais velho gritou. - Fugir como um covarde das leis, e das punições, é um crime contra sua majestade! Uma rebeldia contra o rei!

Olhei para uma caixa na mão de um homem próximo ao senhor Koya.

— Eu já falei! Mas vocês fazem vista grossa! Não percebem que algo está errado!? Meu filho sabia de alguma coisa, por isso tramaram contra vida dele! - Mujo encarou todos enquanto gritava. - Tem coisas erradas acontecendo no palácio, tentei mostrar ao mundo, mas me viram como um perigo! Quando, na verdade, não sou eu!

— Besteira! Como ousa dizer essas coisas sobre a corte!? - Um homem o repreendeu e meu corpo começou a se mover contra a minha vontade.

Tudo o que Mujo dizia parecia fazer sentido para mim, ele claramente era inocente, e queriam apenas silenciar ele!

— Isso é muito sério, alguém devia investigar mais... - Meu pé se moveu para frente, mas a mão do lorde Kyo agarrou o meu braço, me impedindo de me mover.

— .....! - Olhei para ele, que balançou a cabeça com um olhar sério, seu punho era firme. - Mas...

— Não há nada de errado no palácio, tudo está nos conformes há muito tempo, essa é a sua tentativa de virar o jogo? É uma pena... - Koya disse.

— O que há com ele? Não vai fazer nada? - Pensei e apertei meu punho, olhando para o rosto do Lorde Kyo, seus olhos brilhavam perigosamente como um aviso.

— Porque não funcionou! - O senhor Koya estava segurando uma arma! Que havia pego da caixa.

Fiquei em pânico vendo aquela arma, Mujo estava indefeso no chão, era inocente até que alguém provasse ao contrário... Eu não conseguiria dormir a noite sabendo que não tentei fazer nada!

— Espera! - Empurrei o peito do Lorde Kyo, que ficou completamente atônito e sem reação.

A boina que eu estava usando caiu no chão, e meu corpo se moveu indo parar na frente de Mujo com os braços abertos.

— Antes de qualquer coisa, vocês deviam investigar mais uma vez! Talvez as coisas possam se tornar mais claras!

Houve algumas reclamações dos convidados que estavam assistindo à cena.

— Quem é essa menina? Ela nem devia estar aqui! - Um homem comentou para outro.

— Mirai, saia da frente! Essa pessoa já não tem mais perdão. - Koya levantou a arma.

— Não! E todos deviam ter, matar alguém assim não está certo!

Mujo começou a chorar atrás de mim. Ele claramente não era uma pessoa ruim, ele sequer sabia como sobreviver se escondendo, ele era apenas alguém comum que foi acusado de algo muito ruim!

— Por favor, escutem ele! Ele disse que tem algo errado acontecendo no palácio! Por favor!

Koya estalou a língua irritado comigo.

— Como vão se sentir se souberem depois que estavam enganados sobre ele? Que participaram da morte de alguém inocente!?? - Olhei para os homens e depois para Koya.

O Lorde Kyo ainda estava imóvel vendo a cena, me ajudar também seria um problema gigante para ele... Eu estava... sozinha nessa, com Mujo chorando atrás de mim, usando o meu corpo como escudo, tentando evitar o pior.

Os murmúrios começaram, Koya olhou para eles ponderando sobre a situação. Alguns homens estavam se questionando depois do que eu disse.

— Mirai, você não entende a situação aqui, ainda é muito nova para isso. - Koya balançou a arma.

— Então me explica! Porque isso não está fazendo nenhum sentido!

Ele estalou a língua novamente e gritou o nome do lorde Kyo.

— Tira essa menina da frente, ou vou atirar nela!

Por que de repente sobrou para mim? Eu não estou fazendo nada errado! Estou...? Eu só não quero ver uma cena tão lamentável, e simplesmente ficar parada...!

— Vamos sair daqui... - O Lorde Kyo segurou o meu pulso.

— Lorde Kyo, por favor... Você sabe que eu tenho razão!

— Isso tudo não é problema seu...

Ele me puxou com força para trás me fazendo trombar no seu peito. Koya apontou a arma para a cabeça de Mujo, que ainda chorava, mas dessa vez com uma expressão de agradecimento, apesar de eu não ter conseguido fazer nada por ele...

A boca de Mujo se mexeu falando suas últimas palavras para mim, fechei meus olhos com força e não ouvi mais nada depois dos disparos.

Abri meus olhos vendo eles arrastarem o corpo sem vida de Mujo para fora do quarto.

— Kyo, quero falar com você a sós! - Koya falou com o lorde Kyo.

Abaixei a minha cabeça e meu rosto escureceu olhando o rastro de sangue no chão. O lorde Kyo saiu da sala e eu fique completamente sozinha pensando no que eu fiz, e no que isso me custou...

Capítulo 12

Este capítulo é o fim do primeiro volume.

Por ser o meu responsável, o lorde Kyo levou uma bronca feia do senhor Koya por minha causa, olhei de longe a discussão deles, enquanto permanecia em silêncio no banco da recepção.

— Eu só não vou contar o que aconteceu aqui para o concelho negro, porque somos amigos. Porque se não fossemos eu realmente não iria te defender! - Koya disse a Kyo e escutei. - Vou ter um trabalhão agora para limpar essa bagunça toda e convencer os membros a não falarem nada sobre o que a menina fez.

— Ok... - Kyo assentiu, ouvindo em silêncio tudo aquilo e mais um pouco.

Ver Mujo sendo morto diante dos meus olhos era algo que eu sabia que não iria esquecer tão facilmente... Foi terrível e traumático.

Eu deveria ter ficado lá fora, tapado os ouvidos e olhado apenas para o jardim enquanto tudo acontecia... Mas isso seria ainda pior... Eu não teria escutado o lado de Mujo, e mais ninguém teria defendido ele como eu fiz.

No fim, isso tudo me custou o que consegui... Desobedeci ao lorde Kyo, empurrei ele, arrisquei a minha vida e perdi tudo... Além de causar problemas para ele, depois disso eu já não sou mais digna de ser uma serva de sangue...

— Eu sou uma idiota... - Meus olhos rapidamente se encheram de lágrimas. - Eu pensei estar fazendo a coisa certa... Eu estava errada?

— Essa menina só vai te causar mais problemas, é melhor se livrar dela antes que ela se apegue. - Koya falou. - Amanhã vou te enviar um novo contrato para uma nova serva de sangue, tudo bem para você?

Kyo assentiu.

Depois disso tudo, o lorde Kyo e eu ficamos em silêncio a viagem toda, o que foi bem desconfortável... Fiquei esperando o momento certo para pedir desculpas, mas adiei tanto que acabei não falando nada.

— Talvez a minha tia tenha razão sobre eu ser idiota... - Pensei olhando as árvores durante a viagem.

Durante a volta de carro para a mansão, acabei pegando no sono... Acordei de noitinha no quarto, com o barulho do relógio, meus olhos estavam vermelhos e sensíveis. Arrumei as minhas coisas para não terem trabalho na hora de devolverem e vesti o meu uniforme da escola, a roupa que cheguei aqui e que vou ir embora da mesma forma.

Abri a porta do meu quarto, passei na cozinha, mas Toky não estava, fiquei triste por não conseguir me despedir da forma que eu queria, e também não fui ao quarto dela, porque ainda não havia decorado a localização.

Apenas fui para o andar superior, abri a porta da sala e saí, caminhei em direção ao portão e simplesmente fui embora pela floresta.

(...)

Mais cedo, assim que Kyo chegou na mansão...

— Bem-vindo de volta, mestre... - Os empregados do primeiro andar da mansão me receberam.

— Onde está Myssa? - Tirei meu casaco.

— Na sala escura, te esperando meu lorde... - Uma empregada disse.

Olhei em direção à mansão, o céu laranja cobria sobre todos os lugares, ventou forte por um momento...

— Myssa finalmente descobriu quem roubou a chave... - Pensei.

— Senhor, onde está a menina? - A empregada perguntou enquanto eu entregava a chave e o casaco.

— No carro, dormindo. Leve-a até o quarto sem acordar. - Subi as escadas e fui atrás de Myssa.

Desci as escadas até o subsolo, caminhei pelo corredor enquanto desabotoava as mangas. Vi Myssa de frente para a porta, parecia aflita, havia mais dois seguranças de frente para a porta.

— Ele está ali dentro? - Perguntei.

— Sim, mas tivemos trabalho para colocar ele lá.

— Mesmo?

— Nenhuma corda ou corrente é forte o suficiente para manter ele ali, então não consigo interrogá-lo e ele é bem difícil de lidar...

Olhei para a porta e depois para os seguranças.

— Dispensados.

Os seguranças se olharam e foram embora.

— Ele vai escapar se eles não segurarem a porta!

Abri a porta e vi aquele homem no canto da sala.

— Desgraçado... - Apertei o punho.

— L-lorde Kyo, não suje as suas mãos! Deixa que interrogo ele... - Myssa colocou a mão no meu ombro. - Você não deve se estressar, vai acabar fazendo a doença piorar.

— Acham mesmo que vão arrancar qualquer informação minha!? - O homem riu, usava o uniforme de um empregado da mansão. - Nem a pau que vou contar qualquer coisa a vocês!

Ele deu alguns passou na minha direção, mas foi imobilizado, ficou completamente parado feito uma estátua.

— O... O quê... - Ele disse olhando ao redor, assustado por não conseguir se mexer.

— Cadeira.

Ele se sentou na cadeira, seu corpo já não o obedecia.

— Lorde Kyo! Não...! - Myssa disse preocupada.

— Já que nenhuma corrente ou corda é forte o suficiente, eu vou manter ele ali.

— M-mas usar o seu poder assim... Só vai te fazer gastar energia... - Ela entrou na sala.

— Não me importo, apenas faça o interrogatório, vou ficar aqui fora... Ele não vai se mexer, depois apenas faça ele dormir.

Myssa concordou hesitante e fechou a porta. Cruzei os braços e suspirei.

Esse poder... eu o chamo de obediência... Posso induzir qualquer pessoa a fazer o que quero, mas apenas por três horas. Mas de alguma forma, ontem ele não funcionou direito com aquela menina... Tentei fazer ela ficar parada, sem se mexer... Mas meu poder falhou inesperadamente e ela escapou da minha mão...

E isso, nunca aconteceu antes em qualquer época, nunca falhei desse jeito, seja qualquer que fosse a situação. A doença me surpreendeu negativamente aquela hora, agora me sinto forte o suficiente para manter aquele homem imóvel enquanto Myssa o tortura, mas antes... Realmente não sei o que houve.

— Eu quero saber quem te enviou! - Myssa gritou lá de dentro cravejado uma faca na mão dele.

— Ahhhh! Não vou dizer!

— Diga logo! Todos aqui poderia ter morrido por sua causa, tem noção do que você fez!? - Ela puxou o carrinho de instrumentos de tortura.

— Fiz o meu trabalho! Pelo menos pensei que fosse conseguir com sucesso...

— E qual era o seu trabalho? Diga! Queria matar todos aqui dentro?

— E-eu... Eu não queria matar todos não... Apenas o Lorde dessa mansão...

— O Lorde Kyo era o seu alvo?... Especificamente ele?!

Ouvi atento o que estavam dizendo e não fiquei tão surpreso pela tentativa idiota de assassinato... Mas curioso pelas ordens que ele recebeu de outra pessoa.

— E por quê!? - Ela fez ele gritar de dor novamente.

— Ahhhh! Você sabe a resposta! Os membros mais antigos do nosso concelho sabem... Principalmente a Elite...

— A-a elite?

Senti uma leve pontada de dor na garganta e acabei tossindo, senti o gosto do meu sangue na língua e apertei o punho irritado por não conseguir aguentar mais um pouco.

— Maldição...




"O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons"

- Martin Luther King


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