8 - Interrogada
Na sala de interrogatório... Bullock foi o primeiro a falar. Claro que seria ele.
— No museu, você esteve na cena do crime.
Cruzei os braços. Mantive o olhar firme, mesmo sabendo que não adiantaria. Nada do que eu dissesse mudaria a forma como ele me enxergava.
— Você fala como se eu tivesse matado alguém. — respondi, firme. — Eu fui investigar. Alguém está se passando por mim. Usando meus métodos e roupas parecidas com a minha...
Bullock bufou e deu aquele meio sorriso nojento, cheio de julgamento.
— O assassino sempre volta à cena do crime, gatinha. E você estava lá.
— Você não me escuta mesmo, não é? — levantei a voz, irritada. — Eu mudei, droga! Tô tentando seguir o caminho certo. Só que vocês só veem o que querem ver.
Ele cruzou os braços e me olhou com desdém.
— E eu continuo não acreditando em você.
Engoli em seco. Meu olhar escapou até Gordon. Ele estava quieto até então, analisando. Sempre aquele ar mais calmo, mais contido. Menos hostil que Bullock, mas ainda assim... um policial de Gotham.
— E você, Gordon? — perguntei, quase num sussurro. — Você acredita em mim?
Ele demorou. Tempo demais.
— Eu confio no Batman — disse enfim. — Se vocês estavam juntos lá... podemos relevar.
Relevar. Engraçado o jeito como eles tratam a vida dos outros como uma equação matemática. Se A está com B, então talvez A não seja culpado. Tive que rir. Uma risada amarga, seca, cheia de tudo o que eu engolia há meses.
— As leis de Gotham são uma piada. Vocês falam em justiça, mas são péssimos em lidar com pessoas que tentam voltar à sociedade. Vocês não sabem o que é dar uma segunda chance.
Gordon não rebateu. Só mudou de assunto, como sempre.
— O que sabe sobre a joalheria roubada?
Revirei os olhos.
— Já disse: alguém está se passando por mim. Tá se aproveitando do meu histórico. Usa roupas como as minhas, se movimenta como eu... Mas. não. sou. eu. Eu e o Batman descobrimos que essa pessoa trabalha para uma seita felina. Uma seita de fanáticos mascarados.
Bullock riu. Riu como se eu tivesse contado uma piada.
— Seita felina? Tá inventando agora? Você é uma péssima mentirosa.
— É verdade — bati a mão na mesa, sem medo. — Fomos ao teatro abandonado. Vimos máscaras felinas, uma passagem secreta abaixo do palco, e aquele símbolo no pedestal, na cena do crime. Vimos sangue seco, tudo parte de um ritual macabro. Algo doentio acontecendo debaixo do nariz de vocês. Eu já estive no teatro antes, fazendo alguns bicos e na época havia rumores pequenos, como sussurros em toda Gotham, mas ninguém levava isso a sério, nem mesmo eu...
Gordon se manteve em silêncio. Mas eu vi que ele estava pensando. Que processava. Bullock, por outro lado, virou para ele e balançou a cabeça.
— Você acredita nessa balela?
Gordon não respondeu diretamente. Apenas se levantou.
— Ela está liberada.
— Sério isso? — Bullock retrucou. — Eu sei que você acredita no Batman, mas eu não acredito em nenhum dos dois.
— Vamos até esse teatro, se tudo o que ela diz for verdade, então não podemos prendê-la. Além disso, o que ela disse sobre o símbolo é verdade, ainda estamos analisando se é mesmo daquela organização.
— Ah, que ótimo!... — Bullock resmungou.
— Mas... — completou Gordon, olhando para mim. — Você será vigiada. Uma policial vai acompanhar seus passos por um tempo.
Suspirei empurrando meu cabelo para trás.
— Não tenho escolha, né? — murmurei.
Ele apenas assentiu.
Levantei-me da cadeira e ajeitei o casaco. Estava livre, mas nem tanto. Gotham nunca deixava a gente livre de verdade. Não importa o quanto a gente tentasse mudar... a cidade sempre encontrava um jeito de lembrar quem você foi um dia.
(...)
Montoya era tudo o que eu esperava de uma policial de Gotham: rígida, direta, e com aquele olhar de quem já tinha perdido a fé na humanidade há muito tempo. Assim que saímos da delegacia, ela me acompanhou até o carro sem dizer uma palavra sequer. Só quando ligou o motor é que soltou:
— Vou ficar de olho em cada passo que você der.
— Ótimo — respondi, sem disfarçar o sarcasmo. — Sempre quis uma sombra particular.
Ela ignorou. Ou fingiu ignorar.
O trajeto até meu apartamento foi silencioso, e eu agradeci por isso. A última coisa que eu precisava era de um sermão moralista sobre escolhas da vida, — já ouvi de Batman discursos o suficiente. Assim que entrei, fui direto até a tigela de Isis. A coitada estava faminta. Miava baixinho, quando me viu, veio e roçou nas minhas pernas. Coloquei a comida dela e liguei a TV, só para preencher o vazio daquele silêncio incômodo que ecoava no meu apartamento, logo seria a hora de dormir.
Montoya ficou do lado de fora da porta, braço cruzado, expressão fechada. Antes de eu conseguir relaxar, ela se aproximou da porta e falou:
— Deixa as janelas fechadas. Se eu escutar você abrindo, não hesitarei em te dar um choque.
Revirei os olhos, mas obedeci. Fechei tudo, só para ela calar a boca.
O telefone fixo tocou. Respirei fundo antes de ir atender.
— Alô?
— Selinne. Tá tudo bem? — Era Bruce. — Recebi uma ligação da delegacia.
Fechei os olhos por um instante ao ouvir a voz dele. Ela sempre trazia um estranho conforto.
— Já tive dias melhores. Bullock e Gordon me interrogaram de novo. Acham que fui eu quem roubou a joalheria.
— E o que você disse?
— Disse a verdade. Contei tudo que descobri junto ao Batman. Sobre uma seita, sobre o teatro... tudo. Bullock acha que tô inventando, claro. Gordon parece menos cego, mas ainda não confia em mim. Me deixaram ir, mas colocaram uma policial na minha cola.
Bruce ficou em silêncio por um segundo.
— Selinne... precisa manter a calma. Não faça nada precipitado. Eles já estão desconfiando de você. Se fizer qualquer movimento em falso...
— Eu sei.
— Eu acredito em você... E continuo do seu lado.
Abri um sorriso pequeno, quase imperceptível.
— Obrigada.
Desliguei. Não porque queria encerrar a conversa, mas porque... doía. Saber que a única pessoa que confiava em mim também tinha medo de que eu escorregasse. E no fundo, eu sabia que ele estava certo em temer...
(...)
No dia seguinte, depois de receber outra ligação, dessa vez de um trabalho. Montoya já estava postada do lado de fora quando abri a porta. Dei um gole no café quente e respirei fundo.
— Fui contratada pra trabalhar, ainda preciso pagar algumas contas. Não que seja da sua conta, mas...
Ela me encarou.
— Vai me seguir mesmo assim?
— De longe — respondeu.
— Que maravilha, adoro ter uma babá.
A tarde chegou, era hora de ir.
Me vesti rápido, mas não achei meu pente de cabelo. Vesti roupas um pouco ousadas demais para o meu gosto hoje em dia, mas não era como se eu tivesse muita escolha. Voltar à boate não era exatamente um recomeço glorioso. Mas faxina não pagava nem a comida de luxo de Isis, e dançar pelo menos me dava dinheiro suficiente para manter a geladeira viva por mais uma semana.
O emprego que aceitei era temporário. Mas eu precisava me ocupar, seria minha chance de lutar contra o desejo de roubar dos bêbados. Dançar também seria uma boa distração, como um refúgio para fugir dos problemas da minha vida.
Bruce paga o aluguel desse apartamento. Eu já disse a ele mil vezes que não preciso disso, mas ele insiste. Diz que quer ajudar. Mas eu sei. No fundo, ele tem medo. Medo de que se eu tiver que escolher entre morar na rua ou roubar... eu escolha o segundo.
E isso me irrita.
Me irrita porque ele não tá errado.
Mas também me irrita porque tô tentando. Estou mesmo. Cada dia, cada passo, é um esforço constante para não voltar à escuridão. E ainda assim, mesmo com todo esse esforço, Gotham olha para mim como se eu fosse uma ameaça prestes a explodir novamente.
Não sou. Mas talvez... talvez eu esteja perto demais dessa... borda.
E tudo o que preciso é de um motivo obscuro. Um deslize. Um olhar de desprezo a mais... para vacilar outra vez, mesmo não querendo.
Tomei meus remédios e saí.
— No museu, você esteve na cena do crime.
Cruzei os braços. Mantive o olhar firme, mesmo sabendo que não adiantaria. Nada do que eu dissesse mudaria a forma como ele me enxergava.
— Você fala como se eu tivesse matado alguém. — respondi, firme. — Eu fui investigar. Alguém está se passando por mim. Usando meus métodos e roupas parecidas com a minha...
Bullock bufou e deu aquele meio sorriso nojento, cheio de julgamento.
— O assassino sempre volta à cena do crime, gatinha. E você estava lá.
— Você não me escuta mesmo, não é? — levantei a voz, irritada. — Eu mudei, droga! Tô tentando seguir o caminho certo. Só que vocês só veem o que querem ver.
Ele cruzou os braços e me olhou com desdém.
— E eu continuo não acreditando em você.
Engoli em seco. Meu olhar escapou até Gordon. Ele estava quieto até então, analisando. Sempre aquele ar mais calmo, mais contido. Menos hostil que Bullock, mas ainda assim... um policial de Gotham.
— E você, Gordon? — perguntei, quase num sussurro. — Você acredita em mim?
Ele demorou. Tempo demais.
— Eu confio no Batman — disse enfim. — Se vocês estavam juntos lá... podemos relevar.
Relevar. Engraçado o jeito como eles tratam a vida dos outros como uma equação matemática. Se A está com B, então talvez A não seja culpado. Tive que rir. Uma risada amarga, seca, cheia de tudo o que eu engolia há meses.
— As leis de Gotham são uma piada. Vocês falam em justiça, mas são péssimos em lidar com pessoas que tentam voltar à sociedade. Vocês não sabem o que é dar uma segunda chance.
Gordon não rebateu. Só mudou de assunto, como sempre.
— O que sabe sobre a joalheria roubada?
Revirei os olhos.
— Já disse: alguém está se passando por mim. Tá se aproveitando do meu histórico. Usa roupas como as minhas, se movimenta como eu... Mas. não. sou. eu. Eu e o Batman descobrimos que essa pessoa trabalha para uma seita felina. Uma seita de fanáticos mascarados.
Bullock riu. Riu como se eu tivesse contado uma piada.
— Seita felina? Tá inventando agora? Você é uma péssima mentirosa.
— É verdade — bati a mão na mesa, sem medo. — Fomos ao teatro abandonado. Vimos máscaras felinas, uma passagem secreta abaixo do palco, e aquele símbolo no pedestal, na cena do crime. Vimos sangue seco, tudo parte de um ritual macabro. Algo doentio acontecendo debaixo do nariz de vocês. Eu já estive no teatro antes, fazendo alguns bicos e na época havia rumores pequenos, como sussurros em toda Gotham, mas ninguém levava isso a sério, nem mesmo eu...
Gordon se manteve em silêncio. Mas eu vi que ele estava pensando. Que processava. Bullock, por outro lado, virou para ele e balançou a cabeça.
— Você acredita nessa balela?
Gordon não respondeu diretamente. Apenas se levantou.
— Ela está liberada.
— Sério isso? — Bullock retrucou. — Eu sei que você acredita no Batman, mas eu não acredito em nenhum dos dois.
— Vamos até esse teatro, se tudo o que ela diz for verdade, então não podemos prendê-la. Além disso, o que ela disse sobre o símbolo é verdade, ainda estamos analisando se é mesmo daquela organização.
— Ah, que ótimo!... — Bullock resmungou.
— Mas... — completou Gordon, olhando para mim. — Você será vigiada. Uma policial vai acompanhar seus passos por um tempo.
Suspirei empurrando meu cabelo para trás.
— Não tenho escolha, né? — murmurei.
Ele apenas assentiu.
Levantei-me da cadeira e ajeitei o casaco. Estava livre, mas nem tanto. Gotham nunca deixava a gente livre de verdade. Não importa o quanto a gente tentasse mudar... a cidade sempre encontrava um jeito de lembrar quem você foi um dia.
(...)
Montoya era tudo o que eu esperava de uma policial de Gotham: rígida, direta, e com aquele olhar de quem já tinha perdido a fé na humanidade há muito tempo. Assim que saímos da delegacia, ela me acompanhou até o carro sem dizer uma palavra sequer. Só quando ligou o motor é que soltou:
— Vou ficar de olho em cada passo que você der.
— Ótimo — respondi, sem disfarçar o sarcasmo. — Sempre quis uma sombra particular.
Ela ignorou. Ou fingiu ignorar.
O trajeto até meu apartamento foi silencioso, e eu agradeci por isso. A última coisa que eu precisava era de um sermão moralista sobre escolhas da vida, — já ouvi de Batman discursos o suficiente. Assim que entrei, fui direto até a tigela de Isis. A coitada estava faminta. Miava baixinho, quando me viu, veio e roçou nas minhas pernas. Coloquei a comida dela e liguei a TV, só para preencher o vazio daquele silêncio incômodo que ecoava no meu apartamento, logo seria a hora de dormir.
Montoya ficou do lado de fora da porta, braço cruzado, expressão fechada. Antes de eu conseguir relaxar, ela se aproximou da porta e falou:
— Deixa as janelas fechadas. Se eu escutar você abrindo, não hesitarei em te dar um choque.
Revirei os olhos, mas obedeci. Fechei tudo, só para ela calar a boca.
O telefone fixo tocou. Respirei fundo antes de ir atender.
— Alô?
— Selinne. Tá tudo bem? — Era Bruce. — Recebi uma ligação da delegacia.
Fechei os olhos por um instante ao ouvir a voz dele. Ela sempre trazia um estranho conforto.
— Já tive dias melhores. Bullock e Gordon me interrogaram de novo. Acham que fui eu quem roubou a joalheria.
— E o que você disse?
— Disse a verdade. Contei tudo que descobri junto ao Batman. Sobre uma seita, sobre o teatro... tudo. Bullock acha que tô inventando, claro. Gordon parece menos cego, mas ainda não confia em mim. Me deixaram ir, mas colocaram uma policial na minha cola.
Bruce ficou em silêncio por um segundo.
— Selinne... precisa manter a calma. Não faça nada precipitado. Eles já estão desconfiando de você. Se fizer qualquer movimento em falso...
— Eu sei.
— Eu acredito em você... E continuo do seu lado.
Abri um sorriso pequeno, quase imperceptível.
— Obrigada.
Desliguei. Não porque queria encerrar a conversa, mas porque... doía. Saber que a única pessoa que confiava em mim também tinha medo de que eu escorregasse. E no fundo, eu sabia que ele estava certo em temer...
(...)
No dia seguinte, depois de receber outra ligação, dessa vez de um trabalho. Montoya já estava postada do lado de fora quando abri a porta. Dei um gole no café quente e respirei fundo.
— Fui contratada pra trabalhar, ainda preciso pagar algumas contas. Não que seja da sua conta, mas...
Ela me encarou.
— Vai me seguir mesmo assim?
— De longe — respondeu.
— Que maravilha, adoro ter uma babá.
A tarde chegou, era hora de ir.
Me vesti rápido, mas não achei meu pente de cabelo. Vesti roupas um pouco ousadas demais para o meu gosto hoje em dia, mas não era como se eu tivesse muita escolha. Voltar à boate não era exatamente um recomeço glorioso. Mas faxina não pagava nem a comida de luxo de Isis, e dançar pelo menos me dava dinheiro suficiente para manter a geladeira viva por mais uma semana.
O emprego que aceitei era temporário. Mas eu precisava me ocupar, seria minha chance de lutar contra o desejo de roubar dos bêbados. Dançar também seria uma boa distração, como um refúgio para fugir dos problemas da minha vida.
Bruce paga o aluguel desse apartamento. Eu já disse a ele mil vezes que não preciso disso, mas ele insiste. Diz que quer ajudar. Mas eu sei. No fundo, ele tem medo. Medo de que se eu tiver que escolher entre morar na rua ou roubar... eu escolha o segundo.
E isso me irrita.
Me irrita porque ele não tá errado.
Mas também me irrita porque tô tentando. Estou mesmo. Cada dia, cada passo, é um esforço constante para não voltar à escuridão. E ainda assim, mesmo com todo esse esforço, Gotham olha para mim como se eu fosse uma ameaça prestes a explodir novamente.
Não sou. Mas talvez... talvez eu esteja perto demais dessa... borda.
E tudo o que preciso é de um motivo obscuro. Um deslize. Um olhar de desprezo a mais... para vacilar outra vez, mesmo não querendo.
Tomei meus remédios e saí.



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