5 - O Teatro Abandonado
O antigo teatro estava muito escuro. Cortinas pesadas de veludo, agora roídas pelo tempo. Selinne adentrou o saguão principal ao lado de Batman, com seus passos ecoando pelo chão de tábuas rangentes, havia cupins e a madeira estava amolecida em alguns cantos.
— Esse lugar mudou, agora é... decadente, melancólico... — ela murmurou, passando a mão por uma das poltronas cobertas por teias.
— Mas guarda segredos. — disse ele, acionando o visor da máscara para escanear o lugar. — Há uma passagem oculta sob o palco.
Selinne sorriu.
— Você é bem direto ao ponto... vai aqui, vai ali, entra por cá, entra por lá... pega aqui, pega ali.
Batman apenas a encarou antes de seguirem até o palco principal. Ele ajoelhou, ativou um dispositivo e o piso revelou um vão oculto. Uma escadaria íngreme que descia até a escuridão.
— Você primeiro. — ela provocou. — Homens de capa e gadgets vão à frente.
— ... Fique atenta. Não sabemos quem mais pode estar aqui.
Descendo pelas escadas, foram recebidos por um corredor estreito de pedra. Conforme avançavam, encontraram salas escondidas, cheias de máscaras, figurinos e instrumentos antigos.
— Me lembro disso aqui... — Selinne pegou uma máscara com orelhas pontudas. — Usei um modelo parecido em uma peça de terceiro ato, de quando me colocaram como "A Gata Enigmática".
— Vinha atuar com frequência aqui? — Batman perguntou sem tirar os olhos dos escaneamentos.
— Poucas vezes... só quando tinha papéis interessantes e bem remunerados. Ouvi boatos de rituais sendo feitos por membros que organizavam as peças, mas nunca dei muita atenção. Parecia apenas rumores bizarros para afastar as pessoas. E meio ridículo também.
— Isso parece ser parte de um desses rituais. — ele apontou para o chão, onde havia um círculo desenhado com cinzas e sangue seco.
Selinne se aproximou devagar. Aquele sangue seco trouxe a Selinne uma sensação ruim, e ela viu um punhal por um segundo, antes de uma dor estranha surgir em sua nuca
— Argh! — ela se abaixou de uma vez.
— Selinne? — Batman se aproximou atento. — Qual é o problema?
— Não sei... — ela gemeu, sentindo a dor se espalhar por alguns segundos. — Apenas doeu de repente, no mesmo lugar que bati minha cabeça no passado.
— Esse ritual parece recente... E de alguma forma parece estar te afetando.
— Bobagem, isso é apenas coincidência. — Selinne se levantou.
Enquanto avançavam mais, perceberam que do lado esquerdo da sala, um armário enferrujado estava aberto. Ali dentro, havia armamentos, máscaras... e um traje feminino semelhante a uma roupa antiga de Selina. Um macacão de látex.
Selinne recuou com o rosto pálido.
— Isso não... isso não é meu. É parecido com o meu traje antigo, mas esse é diferente. Eu juro que não é meu.
— Parece que temos uma segunda Gatuna. — rosnou Batman.
— Então estão juntos... Esse grupo esquisito... pensei que fosse invenção.
— Não é invenção. E esse tipo são extremamente letais. — disse ele, examinando o traje.
— Esse lugar tem cheiro de lírio... — Selinne olhou para algumas velas aromáticas apagadas em cima do armário. — Será que de alguma forma, essas pessoas fizeram parte do meu passado perdido? Não deve ser coincidência estarem fazendo isso, e tendo esse traje semelhante ao meu.
— Você disse que queria entender seu passado... Acho que está no caminho certo.
Selinne o encarou.
— E se eu for parte disso, Batman? E se esse símbolo de lua, essa tal seita... forem o que me moldaram desde o começo?... Você acredita em destino?
— Não acredito nisso de destino. Mas acredito na sua mudança de vida. Então agora cabe a você decidir quem você vai ser agora. Faça as suas escolhas, Selinne.
Eles se encaram por alguns segundos em silêncio. A tensão é densa entre eles, mas havia algo a mais naquela troca de olhares. Tudo parecia empurrá-los para algo maior.
Selinne por fim desviou o olhar, respirando fundo.
— Obrigada por estar me ajudando a desvendar tudo isso. Não sei se eu chegaria até aqui... No fim, acho que somos uma boa dupla.
— Não me agradeça, ainda. Isso está só começando e tenho perguntas que ainda não foram respondidas completamente.
De repente, um ruído cortou o silêncio. Alguém havia acionado um tipo de mecanismo na entrada do corredor. Luzes vermelhas se acenderam sobre eles.
— Selina... finalmente voltou para nós?
Foi quando pessoas estranhas entraram na sala. Cada uma usava uma máscara felina, decorada com traços dourados e olhos vítreos. Havia pelo menos sete deles. Alguns portavam bastões metálicos, outros empunhavam armas de choque e lâminas curvadas que refletiam a luz vermelha do lugar.
— Finalmente estou te conhecendo pessoalmente, Selina... — repetiu uma voz feminina entre eles — ... Venha para a nossa comunidade. Conosco é o seu lugar.
Selinne deu um passo à frente, tensa. O corpo estava arrepiado, seus instintos indicavam perigo.
— Não sou parte disso... seja lá que merda, seja isso!
— Você nunca deixou de ser, estava perdida, mas a encontramos. Está marcada, é nossa. Então venha comigo por bem, ou vai nos encontrar por mal.
Batman se posicionou ao lado dela, a capa negra se espalhando, o olhar fixo nos inimigos.
— Estão armados. — murmurou. — E não parece ser um pedido educado...
— Ótima observação, detetive. — respondeu Selinne, os dedos se fechando em punhos.
— Já que chegou até aqui, poupe nosso tempo e venha! — Um dos mascarados deu o primeiro passo. — Você é nossa!
O estalo do piso sob seus pés ecoou como o estopim de um conflito iminente. Então, tudo aconteceu rápido.
Batman avançou como um vulto, derrubando o primeiro com um golpe seco no queixo, girando o corpo e atingindo o segundo com uma joelhada no estômago. Selinne se lançou para o lado oposto, chutando o braço de um dos atacantes com precisão, fazendo a lâmina escapar de sua mão. A pancada ecoou alto na sala. O salto de suas botas eram afiados, e seus movimentos, como sempre, precisamente ágeis. Derrubou todos que a atacavam, enrolava as pernas entre o pescoço deles e arremessava no chão em um baque surdo.
— Lembra quando eu disse que somos uma boa dupla? — ela gritou no meio do combate.
— Ainda estou avaliando. — respondeu Batman, desviando de um bastão com um giro e agarrando o agressor pela gola para arremessá-lo contra a parede.
Dois mascarados avançaram juntos contra Selinne, tentando cercá-la. Ela saltou por cima de um deles com uma cambalhota acrobática, pousando atrás e derrubando ambos com um chute duplo — seco e certeiro.
Mas havia mais vindo.
As luzes vermelhas piscavam com maior frequência agora.
— Tem mais vindo pelo corredor. — Batman avisou, ativando um pequeno drone que lançou uma carga elétrica nos inimigos em aproximação.
— Eles estão tentando me levar, mas por quê? O que querem comigo?-
— Eu lá sei.
— Mas você não é o detetive?!
No fundo da sala, um dos mascarados tirou algo do casaco: uma pequena cápsula com luzes piscantes — e a arremessou no centro do salão.
— Gás! — gritou Batman, agarrando Selinne pelo braço e puxando-a para trás de um pilar de pedra enquanto o artefato batia no chão e rolava.
O estouro abafado da bomba ecoou em seguida. Uma nuvem espessa de gás branco se espalhou como um manto sufocante. O cheiro era doce e enjoativo, quase hipnótico.
— Maldição... gás de disrupção neural. — murmurou Batman, pegando um filtro de emergência do cinto.
Selinne tossiu, cobrindo o rosto com o braço. Sua visão ficou turva por um instante, mas ela ainda podia distinguir as silhuetas dos mascarados recuando, desaparecendo pela porta.
— Você ainda será nossa, Selina! — Disse uma das figuras antes de desaparecer completamente, o traje estava nas mãos dela.
— Não! — ela tentou se levantar, cambaleando com dificuldade. — Eu vou atrás deles!
Selinne correu até a porta lateral, tropeçando em um dos armários caídos, mas foi detida por um puxão firme. Batman a segurava pelo pulso.
— Solta! — ela gritou, os olhos queimando. — Eles estão fugindo! Me solta agora!
— Você não está em condição de persegui-los! Respire fundo. O gás ainda está afetando seu sistema. Eles querem que você os siga sozinha.
— Você não entende! Eles podem ter as respostas que preciso! — Ela tentou se soltar com força, o braço tremendo de raiva, mas Batman segurou firme, sem violência, apenas firmeza. — Eles sabem quem eu sou!
— Eu sei quem você é, você é Selinne. E vamos encontrá-los de novo. Mais cedo ou mais tarde, eles aparecerão. Paciência, Selinne. Não podemos nos expor ao risco agora.
— Isso é fácil pra você dizer! — ela rugiu. — Você não tem um passado cheio de buracos! Você não acorda de madrugada com lembranças fragmentadas de pessoas com máscaras dizendo que você é deles!
— Não. — disse ele, em tom baixo. — Mas sei o que é ser moldado por sombras. Sei o que é buscar respostas no silêncio, sem saber se vai gostar do que vai encontrar.
Selinne respirava com dificuldade, o peito subindo e descendo com raiva e frustração. O gás se dissipava aos poucos, e os sons voltavam ao normal.
Ela abaixou a cabeça, o punho cerrado.
— Eu estava tão perto...
— E ainda está. Só que agora sabemos que estão te observando. Sabemos que a Lua Negra está envolvida, dando armas e suporte, o novo traje, a seita. Eles deixaram pistas, falaram que a querem, e vir até esse lugar enquanto estávamos, foi o erro deles.
— Um erro?
— Sim. Deixaram claro que você é importante. E isso nos dá uma vantagem.
Selinne se afastou dele, encostando-se à parede. Os olhos estavam vermelhos, mas não era só pelo gás. Ela não chorava — era raiva contida, confusão acumulada por anos.
— Quando eu era mais jovem... — disse, com a voz embargada. — ... tinha sonhos com máscaras felinas e mãos estranhas. Sempre dizia pra mim mesma que eram só ecos de filmes ruins que assisti. Mas agora...
Batman não respondeu de imediato. Apenas se aproximou devagar.
— Está pronta para ir até o fim?
— Mesmo que eu não goste do que encontrar?
— Principalmente se não gostar...
Ela suspirou.
— Então vamos continuar. Porque se essas pessoas esquisitas acham que vão me levar como uma relíquia, vão ter que sangrar por isso.
Batman assentiu. Do alto da escada que levava ao palco, o drone que ele havia ativado retornou, com fios de cabelo e gotas de sangue que caíram durante a briga.
— Isso vai ser útil para chegar até alguns deles. Só precisa ter paciência.
— Não tenho escolha mesmo... — Selinne murmura.



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