41 - O gás do medo expõe o seu pior lado

 

Os aplausos de Ramsés ainda ecoavam na minha cabeça quando as portas duplas se abriram. Dois mascarados surgiram — um puxou Sekhmet como se ela fosse um fardo inútil, o outro me encarou, e num gesto seco com a cabeça, indicou que eu devia acompanhá-lo.

Minhas pernas tremiam. Cada passo era uma luta contra a dor latejante nas costas e nas costelas, mas eu fui. Me recusei a parecer fraca.

Enquanto costuravam meus cortes e lavavam meu sangue, ouvi a voz de Ramsés ressoando nas paredes. Ele falava com eles — os líderes, os fiéis, esses lunáticos — e todos o ouviam.

Eles me aceitavam como Bastet agora...

Mas alguma coisa no tom dele...

Na forma como disse que iriam consumir minha graça...

Um arrepio deslizou pela minha espinha, mas antes que eu pudesse pensar... O homem mascarado voltou, agora exigia que eu voltasse para lá. Assim que cheguei, vi que não havia mais sangue no chão. Não havia nem sinal de Sekhmet. Somente o salão cheio de pessoas, agora eles não me viam do alto, me olhavam de perto.

Mas algo naqueles olhares me deixava em alerta. Estavam perto demais, me olhando demais.

— Ela é magnífica... — sussurrou um deles.

— A pele dela brilha... — disse outro, com um tom doentio.

— Viram como ela é ágil? Eu quero ser assim... — disse uma voz feminina.

Dei um passo atrás.

Ramsés surgiu no andar de cima com Isis no colo. Ela estava encolhida, quieta nos braços dele.

— Não se preocupe, Selinne. Isis não vai sentir a sua falta... — disse ele com aquele sorriso congelado. — Vou garantir que ela também tenha um belo papel na nossa história. Ela é uma gata especial, talvez a mais especial de todas.

Meu estômago se contraiu. Senti o gosto do meu sangue na boca. Eu queria vomitar e meu peito acelerava mais.

— Do que você está falando?! — gritei, a voz mais desesperada do que eu gostaria.

Ramsés não me respondeu, passou pela porta e sumiu da minha vista. Meu cabelo arrepiou no couro cabeludo, minha pele também. Meus lábios se contraíram quando vi. Quando percebi o que estava prestes a acontecer.

Uma lâmina brilhou sob o brilho da luz do teto. Depois vi outras, mais do que era possível contar naquela fração de segundos. Adagas pequenas, algumas curvas, eles seguravam com uma fé cega.

Estavam me cercando, e o pior é que não havia por onde fugir. A porta estava longe demais para alcançar em um único salto acrobático. E tinha pessoas demais na sala para chegar até lá sem nenhum arranhão.

— Fiquem longe de mim!... — avisei, o corpo tenso. Meu olhar estava indo para todas as direções.

Os passos se aproximavam mais, eram silenciosos. Eles mantinham aquele olhar vidrado por trás daquelas máscaras. Não me ouviam. Não mesmo.

Gritaram juntos. Avançaram sobre mim.

O som de pés no chão, o baque dos corpos se atropelando como uma competição de quem chegasse primeiro. Um deles saltou com tudo, outro tentou me agarrar por trás.

Chutei o rosto de um, girei e cravei a própria adaga dele na perna do outro.

Mas eles não paravam.

Se eu não me mover, vou morrer!

Se eu não me mover, vou morrer!

Se eu não me mover, vou morrer!

— EU QUERO SER COMO ELA! — alguém gritou, vindo com a lâmina erguida.

Me jogaram no chão. Chutes, puxões. Socos nos estômagos alheios. Cabelos, gritos, sangue voando. Eles enlouqueceram completamente. Brigavam entre eles, impediam que o outro me atacasse, apenas para que pudessem ser eles. Desviei das adagas, eles não tinham habilidade, mas eram muitos.

Um mar inteiro de loucura sobre mim.

Meus olhos procuravam uma saída, mas eu não conseguia alcançar. Eles me puxavam, cravavam as unhas em mim, agarrando a minha pele com tanta força que eu via estrelas. Urrei, chutando o rosto de uma mulher. Uma senhora agarrou o meu cabelo, ela levantou a adaga e ia em direção ao meu pescoço, não teve jeito, precisei empurrar ela no chão. Um homem veio, segurou o meu pescoço e me deu um soco. Tentou montar sobre mim para me esfaquear, mas foi derrubado por outro. Me arrastei no chão para fugir, mas fui atacada de novo. Mais mãos pelo meu corpo, puxando. Arranhando, tentando me morder. Eles estavam fora de si!

Então, algo atingiu a janela e cortou o ar. Mesmo assim o caos não parou.

Clanc.

Uma pequena esfera rolou pelo chão. Mais duas pequenas saíram das laterais dela. Quando ela parou, soltou uma fumaça verde.

Reconheci na hora.

O gás.

O gás do medo.

A fumaça verde se espalhou como veneno. As gargantas se fecharam em choque. Os olhos se arregalaram.

Um homem começou a gritar e arrancar as próprias roupas.

Outro se encolheu e apontou para o teto, como se visse algo que ninguém mais via.

Eles começaram a correr.

A empurrar.

A sangrar uns aos outros.

Cobri o rosto com a mão, tossindo.

Minha cabeça rodava também. Minha garganta parecia borbulhar pelo pouco que respirei. Alguém ainda veio para cima de mim, chorando, os olhos dilatados, o punhal em riste.

— EU PRECISO SER COMO VOCÊ! — gritou com a voz rouca.

Antes que ele me atingisse em cheio, um vulto negro atravessou a janela. Vidro se estilhaçou, voando em todas as direções.

Foi um borrão de tão rápido.

Um chute na costela do homem o jogou metros para trás.

Fiquei paralisada.

Meu coração congelou.

Ele sabe como fazer uma entrada!...

Batman.

Em pé na minha frente. No meio do caos, entre a fumaça, o medo e os gritos. Nossos olhos se cruzam. Por um segundo, tudo silenciou dentro de mim, mas uma sensação de formigamento começou a se agitar, e meu coração bateu forte outra vez. Felicidade. Eu mal podia acreditar que ele tinha me encontrado ali, no meio daquele caos.

— Bruce... — sussurrei, com a voz rasgando minha garganta já seca.

Mas não havia tempo.

Não para palavras. Não para beijos ou lágrimas. Os loucos voltavam e cercavam nós dois agora.

O caos havia recomeçado.

Máscaras distorcidas pelo medo me cercavam — bocas espumando, olhos arregalados, unhas transformadas em garras. Algumas dessas pessoas... não pareciam mais humanas para mim. Estavam tomadas por algo primal, animalesco, como se o gás tivesse desenterrado monstros adormecidos dentro delas. Monstros que eu conseguia enxergar agora.

Corri e girei no ar, chutei o queixo de um deles e desviei de uma mordida por centímetros. Um outro tentou me agarrar pela cintura, mas Batman o derrubou com um golpe seco no pescoço, rápido como um estalo. Lá se foi uma laringe.

— Você está bem? — perguntou com um tom de preocupação que apenas eu sabia notar, enquanto chutava dois de uma vez. Ele usava uma máscara de filtragem de ar, era pequena, mas eficiente.

Sacudi a cabeça, tossindo.

— Não. Mas isso não importa. Ramsés está com a Isis. Ele é o líder dessa zona.

Meus olhos ardiam muito. Minha respiração já era ofegante e cada vez mais pesada. O gás começava a entrar em mim, eu sentia. O ar estava cheio de pânico e imagens deformadas, eram aberrações. Pessoas com rostos de gatos me cercavam, miando, rosnando, os dedos afiados tentando rasgar minha pele. Queriam provar um pedaço meu.

— Segura a respiração, só trouxe um purificador comigo. — ordenou ele, com a voz grave e urgente. — Até conseguirmos sair daqui, evite respirar o máximo que conseguir.

Mas era tarde demais, a ação me obrigava a inalar o oxigênio. Meus olhos ardiam, e o chão pareceu girar sob meus pés. Uma mulher correu em minha direção com o rosto contorcido como o de uma pantera, as unhas tentando alcançar meu rosto. Rolei para o lado, sentindo as garras rasgarem o tecido do meu vestido. Outro veio saltando por cima. Me defendi com o antebraço, mas caí no chão com o impacto. As imagens vinham e iam — rostos que não existiam, dentes enormes, o som de rugidos e miados se misturando às batidas do meu coração. Um som irritante se repetia no fundo da minha mente, algo dizia para me libertar. Mostrar quem eu sou de verdade.

Não ceda, Selinne.

Não agora.

Você não é uma dessas feras, você pode lutar contra esse gás.

Batman se colocou sobre mim, socando e derrubando dois homens de uma só vez. Não os vi chegar. Ele me puxou com suas mãos firmes. Fechei meus olhos com força, evitando olhar para ele. Temia o que eu fosse ver.

— Vem. Agora! — ele me puxou.

Saímos correndo pelos corredores. Os passos atrás de nós batiam forte, ecos furiosos. A fumaça ficou para trás, mas a minha visão ainda estava borrada. A mão de Bruce era o que me guiava pelo corredor, me mostrando onde pisar, que lado virar. Eu confiava nele.

Parecia que estávamos sozinhos contra aqueles malucos, mas então, ouvi. Sirenes. Um som abafado no início, eram barcos se aproximando da ilha. A polícia estava vindo. Batman os trouxe.

Mas minha mente só gritava uma coisa:

Isis.

Passamos por um corredor e vi uma escada que levava ao segundo andar. Certamente por onde Ramsés estaria tentando fugir.

Parei, minha mão soltando a dele. Olhei para Bruce e ele me olhou de volta. Com aquele olhar de quem quer que eu não faça nenhuma loucura.

— Me desculpa, só dessa vez! — eu corri em direção àquele corredor, em direção àquela escada.

— Selinne! — ele gritou.

Ouvi os passos dele tentando me alcançar. Mas os outros chegaram antes dele ter a chance de me seguir.

Ouvi os golpes, gritos, corpos batendo contra paredes.

Ele está ocupado.

Me protegendo. Impedindo que os lunáticos me sigam.

Eu precisava lidar com Ramsés sozinha, terminar o que ele havia começado. Salvar Isis e voltar para a minha vida, mesmo que tudo estivesse em pedaços.

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