31 - Uma dama de Ferro, sério?

 
A segunda-feira passou sem que eu sequer abrisse os olhos direito. A cabeça latejava, o estômago revirava, e tudo o que consegui fazer foi me enterrar ainda mais embaixo das cobertas, tentando esquecer o mundo. Passei o domingo inteiro bebendo. Quando digo inteiro, é literal.

E paguei o preço.

Na terça-feira, o apartamento parecia uma zona de guerra. Roupas espalhadas, pratos sujos, garrafas vazias largadas nos cantos. Eu deveria estar no trabalho, deveria ter atendido às chamadas irritantes de Mason... Mas quer saber? Que ele e aquelas colegas ridículas se fodam.

A bagunça era um reflexo perfeito de como minha mente estava — ou esteve. Porque, pela primeira vez nesse fim de semana, eu me sentia mais calma. Ainda que, olhando em volta, a bagunça real permanecesse ali, sufocante. Mas optei por ignorar.

Me joguei no sofá, afundando entre almofadas amassadas, e fechei os olhos por um momento. Sem bebida, sem distrações. Só eu e meus pensamentos. E então fiz o que vinha evitando: revi tudo desde o início. Primeiro, foi a Mulher-Gato quem esbarrou nele, tentando roubar aquele maldito colar, lutamos, nos conhecemos de vista. Rolou algo... algo diferente.

E depois, como Selina Kyle, nos encontramos sem máscaras. Aquele leilão beneficente, onde doei uma quantia obscena de dinheiro só para ajudar as causas animais, como sempre fiz. Gosto de pensar que ele não sabia a minha identidade até aquele momento, e que a nossa amizade surgiu de forma natural... Não por qualquer tipo de interesse...

No fim, foi difícil chegar à conclusão que cheguei. Foi difícil admitir que, talvez, no fundo... eu já sabia. Que tinha percebido as semelhanças, sentido as mesmas presenças, os mesmos olhares. Mas que não reconhecia de fato, sentia apenas que havia algo entre nós. Talvez eu não quisesse enxergar além disso, porque já me sentia sozinha e tudo que eu queria... era um amigo. Talvez a culpa seja, na verdade minha, por ter dado tanta abertura ao ponto de ver nossa relação daquela forma.

Peguei uma blusa limpa jogada sobre a poltrona, vesti o jeans mais apresentável que encontrei no guarda-roupa e procurei minhas chaves no meio da bagunça. Isis, espreguiçada na beirada do sofá, me olhava com aquele olhar preguiçoso. Acariciei sua cabeça com a ponta dos dedos, gentilmente, e deixei ração fresca no potinho.

— Volto logo — murmurei, mesmo sabendo que ela provavelmente nem se importaria. — Eu te amo...

Fechei a porta do apartamento atrás de mim e desci as escadas do prédio ainda zonza. O calor abafado da tarde batia contra a minha pele. Assim que alcancei a rua, levantei a mão, chamando um táxi.

Dentro do carro, o cheiro de couro velho e desinfetante queimou minhas narinas. Cruzei os braços e me afundei no banco, encarando a cidade passando pela janela. Cada rua parecia menor. Cada prédio mais alto do que deveria. Gotham me sufocava. O caminho até a Mansão Wayne foi longo. O trânsito travado, o rádio chiando notícias que ignorei.

Quando o carro finalmente virou a última curva, o portão de ferro surgiu, e o sol já começava a cair, tingindo o céu com tons de laranja e roxo, era lindo. Paguei a corrida sem pensar muito, dei alguns trocados a mais e desci.

Ali, parada diante do portão, com o vento frio levantando os cabelos dos meus ombros, respirei fundo, era hora de colocar minhas cartas na mesa. Dizer tudo que eu precisava dizer, entender e escutar o que ele tinha a dizer... e eu torcia para que não fosse muita coisa.

— É agora... — murmurei.

Sem máscaras.

Sem fugas.

Sem desculpas esfarrapadas...

O portão da mansão rangeu suavemente quando se abriu, caminhei pela longa entrada de pedras. Quando alcancei a porta principal, ela já estava sendo aberta.

Alfred, impecável como sempre, me recebeu com aquele sorriso sutil de sempre.

— Senhorita Kyle — disse ele, com um leve aceno de cabeça — Estávamos esperando o seu retorno, madame.

Arqueei uma sobrancelha, surpresa, mas compreendendo.

— Eu... vim para conversar com Bruce — falei, tentando parecer mais segura.

— Naturalmente. Ele está aguardando — respondeu Alfred, como se já soubesse exatamente como tudo aconteceria.

Sem muitas palavras, ele me conduziu para dentro.

— Venha por aqui... — disse Alfred.

Atravessamos os corredores até pararmos diante de uma grande estátua de ferro fundido. Uma decoração excêntrica que nunca chamou a minha atenção. A Dama de Ferro.

— Por aqui, senhorita — disse Alfred, abrindo aquela coisa.

— P-por onde? — olhei surpresa, não havia espetos dentro, ou coisas de tortura como eu imaginava. — Quer que eu entre aqui? Mas por quê?

— Confie em mim.

Sem dizer mais nada, me movi, entrando naquilo, as portas se fecharam.

— Alfred? Eu sou meio claustrofóbica. O que eu deveria fazer?

Com um estalo quase inaudível, o chão se mexeu e um tipo de elevador desceu. Soltei um breve grito de surpresa. Senti meu estômago subir na garganta com a velocidade repentina. A sensação durou apenas alguns segundos, antes de as portas se abrirem para um lugar completamente diferente. Fiquei imóvel, quase sem respirar.

A caverna diante de mim, era como algo saído de um sonho, — ou de um pesadelo.

Era imensa. Como um tipo de catedral subterrânea. Estalactites pingavam gotas de água nas poças formadas pelo chão irregular. No alto, morcegos atravessavam a escuridão, suas asas batendo com movimentos silenciosos.

À minha frente, várias plataformas de metal se conectavam por passarelas suspensas.

Havia dezenas de monitores espalhados, formando um painel gigante de informações e mapas em tons de azul, verde e vermelho. E ali no centro havia um monitor gigante que iluminava o ambiente em tons de luzes frias. Os cabos grossos serpenteavam pelo chão como raízes.

E ali, parado num estacionamento giratório, estava o Batmóvel. Negro como breu, tipo uma criatura adormecida em meio às sombras. No fundo do espaço, baixinho, uma música tocava — reconheci a batida lenta e pesada de Deftones, reverberando suave contra as pedras frias e úmidas da caverna. No meio daquele caos organizado, sentado de costas para mim, Bruce ocupava uma cadeira diante da tela gigante, seu corpo relaxado.

Ele usava roupas normais — jeans escuros e uma camisa de algodão preta —, mas nada nele parecia casual. A cadeira girou devagar quando ele percebeu minha presença. Nossos olhares se encontraram. Por um momento, o peso de tudo o que eu queria dizer pareceu bloquear a garganta. Antes que eu pudesse reagir, um feixe de luz piscou à minha esquerda, e um holograma saltou do chão, se formando diante dos meus olhos. Quase saltei.

Era um garoto sorridente, de capa vermelha e máscara negra.

— Seja bem-vinda! — disse ele com um entusiasmo sincero — Estou contente em conhecê-la, Selinne Kyle! Meu nome é Robin, sou uma inteligência artificial criada por Lucius Fox.

Fiquei paralisada. Pisquei algumas vezes, sem saber exatamente o que fazer diante de uma projeção tão... viva.

— Ah... uh... obrigada — murmurei, mantendo uma educação automática que mal percebi sair.

No canto da garagem, algo que se parecia com uma mulher, trabalhava debruçada sobre o motor aberto do Batmóvel. Diferente do tal Robin, ela não era uma projeção. Seu corpo era metálico, com movimentos precisos demais para serem humanos.

Sem tirar os olhos do que fazia, ela falou, a voz doce e artificial vindo até mim:

— Olá, sou a Batgirl, aceita um café?

— Não, obrigada — recusei, ainda olhando ao redor, absorvendo cada detalhe daquele lugar magnífico.

Respirei fundo e me forcei a andar até Bruce, que apenas me observava pacientemente. Parei a poucos passos na frente dele. Tentei não parecer tão nervosa quanto eu estava. Mas meu coração batia ansioso no peito.

— Nós... precisamos conversar — disse, tentando não deixar minha voz tremer — Se você não estiver... ocupado.

Bruce apenas assentiu, seus olhos indecifráveis presos aos meus.

— Podemos sim — respondeu, tranquilo. — Estou feliz que veio... senti a sua falta.

Não consegui dizer nada, apenas desviar o olhar.

— Vamos conversar... aqui mesmo? — olhei ao redor.

— Não, vamos voltar lá para cima... eu só deixei que viesse aqui, para ver... tudo isso.

Ele se levantou, tão silencioso quanto um fantasma, e, juntos, fomos para um corredor que levava até uma porta, saímos de um espaço que se abria atrás de um relógio. E então, estávamos na sala da mansão. Bruce se sentou no sofá, sinalizando para que eu me sentasse ao seu lado.

Me sentei.

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