30 - Uma noite que prefiro esquecer
O relógio da Batcaverna marcava três e quarenta da tarde.
Estava sentado na minha cadeira, analisando uma por uma das fotos que tirei no dia daquele culto, os rostos. Mas nenhum deles parecia extraordinário à primeira vista. Eram secretárias, professores, corretores de imóveis. Gente comum, que, em algum momento, cruzou uma linha invisível e passou a frequentar o culto.
Avancei algumas imagens, observando as mudanças no comportamento das pessoas que identifiquei. Roupas mais pesadas. Olhares mais fundos. Algo os consumia de dentro para fora, assim como o mesmo padrão de Relder e Bianca.
Ouvi passos se aproximando.
Alfred surgiu com a costumeira elegância discreta, carregando uma bandeja com uma xícara de café recém-passado. Parou ao meu lado, lançando um olhar atento para as telas repletas de rostos.
— Agora está analisando pessoas dormindo? Este é um novo passatempo, patrão?
— Gás do sono, essas são pessoas que frequentam a seita.
— Oh.
Peguei a xícara de sua bandeja, trocando um rápido olhar com ele.
— Esse culto, é o que as pessoas morrem antes de falar?
— Isso.
— Se esses são apenas os fiéis... Não seria mais fácil pressioná-los a falar, senhor?
Se fosse tão simples, eu já teria feito.
Dei um gole no café antes de responder, a voz baixa.
— Eles não sabem o que precisamos.
Minhas mãos voltaram ao teclado, enquanto Robin se aproximava. O holograma olhava atento.
— Esses fiéis só participam dos rituais e fazem orações a Bastet — explicou Robin, como se preenchesse as lacunas para Alfred. — Prosperidade, vida eterna e blá-blá-blá...
— E os que sabem mais? — Alfred arqueou uma sobrancelha.
— Estão acima deles — completei. — Esses se matam antes de vazar qualquer informação.
Digitei, abrindo arquivos, cruzando dados. Nenhuma ligação óbvia. Apenas fragmentos soltos, sem sentido. A seita era inteligente. Mudavam constantemente o local dos rituais, não havia lista de convidados e muito menos seguia um padrão. As pessoas eram escolhidas a dedo.
— Eles não deixam nenhum rastro online... — falei, observando as falhas de sinal e as redes mascaradas — Estão usando algo próprio. Talvez uma VPN interna... talvez mais.
Robin inclinou a cabeça, intrigado.
— Um satélite?
— Possível. — respondi — Tudo bancado pela Lua Negra. Isso tem sido uma pedra no meu sapato...
Alfred soltou um suspiro discreto, cruzando as mãos atrás das costas.
— Com certeza, uma das organizações mais difíceis que já enfrentou, senhor.
Não respondi. As dificuldades eram irrelevantes. O que importava era encontrar a verdade, sobre eles e manter Selinne longe deles.
— Interrogá-los não adianta. — murmurou Robin, esqueci de desligar a opção de comentários automáticos. — Os fiéis cometem suicídio antes de abrir a boca.
— Como se estivessem programados para isso... — Alfred continuou. — Como máquinas...
— Lavagem cerebral... — Continuei a trabalhar no teclado, olhos fixos nas imagens.
— Oh.
(...)
A noite chegou, eu tinha passado o dia inteiro rastreando fragmentos sobre a "Lua Negra", qualquer coisa sobre eles. Tudo que conseguimos descobrir até agora é que a seita possuí uma ilha particular, um refúgio até o momento inalcançável, onde se reúnem uma vez por ano. Data desconhecida.
Robin trabalhava incessantemente, desenvolvendo um sistema para vasculhar ilhas, uma a uma, tentando encontrar o esconderijo. Ia levar tempo. Tempo demais. Mas era tudo que tínhamos, uma pista depois de tanto tempo. E torço para não ser só mais uma pista falsa, que nos deixe em um beco sem saída.
Afastei-me do monitor esquerdo, encarando o nada por alguns segundos. A mente, que tanto lutava para se manter analítica, cedeu espaço para algo... mais humano.
Selinne.
Pensei nela. E em como devia estar se sentindo agora, depois de descobrir sobre minha identidade. Ainda me lembro bem dos momentos em que ela precisou de ajuda. Mas que sempre foi teimosa demais para pedir.
O dia que a vi machucada foi um dos piores.
Como Bruce Wayne, tudo que pude fazer, foi abraçá-la, e prometer que tudo ficaria bem. Mas Selinne não precisava de promessas.
Ela precisava de ação.
E naquela noite, eu agi.
(...)
Deixei o trabalho sujo para Batman, a cidade abaixo de mim parecia ainda mais suja do que o normal. Eu estava com raiva, mesmo tentando me conter. Fiz Selinne me contar tudo, e só precisei escutar o nome de Salvatore Maroni para compreender o que havia acontecido.
Segui os rastros dos homens de Maroni — fornecedores, traficantes, cobradores de dívidas.
Fui em duas bases diferentes, entrei sem ser visto, e deixei atrás de mim, corpos estatelados, amontoados como lixo. Liguei anonimamente para Gordon, informando a localização exata das drogas e do dinheiro sujo, havia provas lá, coisas o suficiente para que ficassem presos por um bom tempo.
Quando as sirenes começaram a cantar, eu já estava na próxima fase do meu plano. Não demorou nem uma hora, encontrei Maroni em um dos seus clubes disfarçados.
Não precisei ser delicado. Pendurei-o de cabeça para baixo na sacada dos fundos. O vento cortante da madrugada fazia seu corpo girar lentamente preso à garra.
— Você vai entregar Pette Eddie pra mim. — falei, minha voz era uma ameaça pura, o modulador de voz no tom mais grosso. — E vai cancelar qualquer plano que envolva a Mulher-Gato futuramente. Se não fizer o que estou mandando, nunca mais vai enxergar essa cidade!
— Já ouvi! J-já ouvi!... — gaguejou, os braços balançando no ar. — Me ponha no chão, agora! E está feito, não vale a pena me matar por causa de um homem que eu não ligo!
— Melhor cumprir o que diz, Maroni. Senão te entregarei ao seu rival. Tudo que ele mais quer no momento é a sua cabeça, — puxei a corda, deixando seus olhos assustados se fixarem nos meus. — farei questão de entregar cada parte nojenta sua, ao Falcone!
O terror nos olhos de Maroni foi a resposta que eu precisava.
Pouco tempo depois, um dos informantes dele me passou a localização de Pette, e eu tive o prazer de ir atrás, mesmo com suas tentativas burras de me despistar.
(...)
Foi em um beco esquecido, entre prédios abandonados, que lidei com Pette.
— Espere! Por que está fazendo isso?! — ele balbuciou dando alguns passos para trás, os pés afundando em um buraco qualquer. — O que eu fiz para você!?
Agarrei-o pela gola, jogando-o contra a parede com força suficiente para fazer o concreto rachar. Não respondi suas perguntas. Apenas quebrei um dedo. Depois outro. E mais outro.
A cada estalo grotesco, Pette gritava, tentava lutar, tentava fugir.
— Isso é pra cada vez, que tocou nela — falei, a voz baixa.
— Está falando d-da Selina?! — ele perguntou confuso, disse com dificuldade em meio a dor maçante.
O cheiro de urina invadiu o beco, misturado ao medo e ao terror que ele sentia. Já eu, não senti nada além de ódio e desprezo. Quando terminei, ele estava praticamente inconsciente, ofegante como um animal ferido, o rosto sangrando sem parar. Os ossos quebrados e a mente quase destruída.
Então, quando ele pensou que havia acabado, e que eu iria embora...
Retirei minha máscara.
Seu olhar encontrou o meu rosto.
— Ah! — ele se assustou, ainda ofegante. — Não! Porque está mostrando... seu rosto!?
A expressão de pânico absoluto que surgiu em seu rosto ferido, era quase patética.
— V-você... você é Bruce Wayne, não é?!
Inclinei-me, aproximando meu rosto do dele. Deixando que a luz da lua, me iluminasse entre o vão dos prédios.
— Olhe bem para mim, Pette — disse, o tom sombrio da morte iminente. — Porque meu rosto será a última coisa que você verá na vida. Gotham estará melhor sem pessoas como você.
Ele tentou gritar uma última vez.
Mas não deixei, avancei.
E um estalo seco, ressoou pelo beco vazio e escuro.



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