24 - Sentimento de Vitimização
Durante o caminho até o hospital mais próximo. Batman me libertou das algemas e cruzei os braços, tentei não parecer tão destruída quanto me sentia por dentro. Bat pilotava em silêncio, respeitava o meu momento de silêncio antes de começar a desabafar.
— Hoje... foi um dia muito ruim. — comecei depois de um suspiro. — Não que os anteriores não fossem... mas hoje pareceu ser o pior.
Minha voz soou mais fraca do que eu esperava. Ele não disse nada de imediato, mas sei que estava ouvindo atentamente.
— No trabalho. Saí um pouco mais cedo, não queria aceitar a carona do meu amigo, e também não queria que ele me visse irritada. A última coisa que eu gostaria que acontecesse é descontar minha raiva no único amigo que eu tenho...
Batman me olhou brevemente, mas se manteve quieto. Algo em seu olhar, dizia que eu deveria continuar.
— Meu computador não estava desbloqueando, mesmo a senha estando correta. Perdi todo o trabalho salvo do dia anterior. Para piorar, meu chefe... que deve ser algum parente do duas caras, me disse para entregar o trabalho, eu disse que o computador estava com problemas, mas ele não me ouviu. O que não é nenhuma surpresa... esses patrões não ligam para o problema dos funcionários... Tive que refazer tudo na raça... — apertei minhas mãos, lembrar do olhar de Mason me irritava. — Quando terminei as planilhas e um relatório, fui entregar... e advinha?
Ele ia perguntar mais interrompi.
— Estava acontecendo uma reunião e não me avisaram! Todas as minhas colegas estavam lá, menos eu. Ganhei um sermão do meu chefe e ouvi risadinhas. Acho que nem estou realmente fazendo o trabalho que me pagam para fazer, minhas colegas empurram todo o trabalho que não querem fazer, e depois ainda reclamam, mesmo quando tudo está perfeito. — balancei a cabeça. — Quando finalmente consegui sair... vi Bullock. Briguei com ele, e imaginei que ele fosse fazer o mesmo... mas... ele não fez. Apenas disse que eu estava estressada e depois foi embora.
— E depois disso ele não te seguiu mais. — Batman concluiu.
— É, não vi ele na esquina... Depois disso saí de casa pra bater em alguma coisa. Lidei com ladrões de um mercadinho e dois babacas em um beco. Se ouvir sobre eles no jornal, já sabe que fui eu. — virei o rosto para a janela, e murmurei. — Vou confessar logo, mas me poupe do sermão...
Ele não disse nada. De alguma forma parecia entender meu sentimento. Senti um olhar demorado dele em minhas costas.
— Por que você não informou o RH? — ele perguntou, finalmente. — Ou o Bruce. Você tem apoio, Selinne. Duvido que ele fosse ficar parado.
Demorei para responder. Não por falta de resposta. Mas porque todas as que eu tinha pareciam pequenas.
— Porque não resolveria nada de verdade — murmurei. — Eu só pareceria mesquinha. Imatura. As pessoas iriam pensar que não sei lidar com colegas difíceis. Elas estão lá há mais tempo. São boas no que fazem. E eu... bom, eu sou só a novata. A esquisita.
Um nó apertou minha garganta. Tossi baixo, como se isso apagasse o que estava sentindo. Nunca gostei de desabafar, me faz sentir que sou só uma coitadinha que não consegue lidar com a vida adulta. Eu odeio isso, e odeio esse sentimento destrutivo.
— E o Bruce... ele já fez tanto por mim. Eu não quero ser mais um fardo. Não quero ser a amiga que só reclama, que vive com problema. Ele merece coisas melhores ao redor dele. Bruce é uma boa pessoa, e é muito especial pra mim... já eu... não sou uma boa pessoa. — senti uma leve ardência nos olhos.
O Batmóvel virou numa avenida silenciosa. Lá fora, uma mulher com um guarda-chuva vermelho atravessava a rua sozinha. Me perguntei por um segundo quem ela era, e como estava o dia dela. É tão fácil imaginar que todo mundo sabe o que está fazendo da vida. E talvez até saibam de fato. Mas não eu, eu sempre me senti um corpo estranho aqui. E talvez, só talvez... Relder tenha razão sobre mim. E esse mundo não seja para mim.
— Vou me manter firme naquele emprego — continuei. — Aquelas mulheres não precisam gostar de mim. Talvez com o tempo se acostumem. Talvez parem de fazer comentários passivo-agressivos toda vez que chego perto. Espero que as coisas mudem.
Me virei um pouco no banco.
— E se não mudarem, se isso continuar... um dia eu saio daquele setor. Mesmo que doa. Mesmo que eu ame trabalhar ali. Eu amo os animais. E se estar ali, aguentando essas pessoas os ajuda de alguma forma, então eu aguento... Por eles.
O Batmóvel parou em frente ao hospital. As luzes da emergência pulsavam. Batman saiu sem dizer nada, caminhando até a porta de trás. Tirou Conrad dali como se carregasse um saco de cimento — mas com cuidado. Ele ainda respirava, fraco, inconsciente, e encharcado de sangue.
Vi Batman deixá-lo junto à porta automática. Entrou um enfermeiro apressado, depois outro. Conversaram rápido, gesticularam, e sumiram com Conrad numa maca. As pessoas olhavam curiosas para ele.
Ele voltou para o carro em silêncio. Entrou. Fechou a porta. Ficou um segundo olhando para frente, como se pesasse palavras dentro da cabeça.
Então virou o rosto para mim.
— Isso não está certo. — O tom era firme, mas não ríspido. — Deve informar a empresa onde trabalha, funcionários mais velhos devem tomar conta dos mais novos. Tornar o ambiente acolhedor.
— Ah sério? — Olhei direto para ele e evitei dar um longo suspiro. — Você trabalha em escritório, Batman? Já teve que sorrir pra alguém que acabou de sabotar seu projeto e ainda te chama de querida? Ou já empurraram tarefas que não são suas? Eles trocam olhares na sua presença fingindo que você não está vendo?
Ele ficou em silêncio.
— É claro que não. Olha ao redor. Você dirige um tanque de última geração. Tem tecnologia de ponta no seu bolso. Você é um desses milionários de Gotham, não é? Alguém com muito tempo livre para vestir uma armadura e sair dando porrada em vagabundos... Não... — suspirei. — Não tem ideia do que é ser... comum. Como eu. Como pessoas como eu... se é que posso me achar comum.
Houve um pequeno intervalo de silêncio entre nós. Denso, desconfortável.
— Não sei mesmo — ele respondeu. — Mas ainda acredito que pessoas como Bruce Wayne, e os outros na WayneCorp, não concordariam com o que você está passando. Eles ajudariam.
Eu respirei fundo e desviei o olhar pela janela. Não valia a pena continuar nesse assunto, ele nunca me entenderia de qualquer forma.
— O assunto morreu. Só me leva de volta a Gotham.
Ele ligou o carro sem insistir. Devia ter mais a dizer, eu sabia que tinha. Mas ele me respeitava de certa forma, e não prolongaria essa discussão desnecessária.
Mais ou menos de madrugada em Gotham, as ruas estavam quase desertas. Fiquei calada até pararmos próximo ao meu prédio. As gatas dormiam tranquilamente, e eu sabia que Batman cuidaria delas, que as levaria até um lugar seguro.
Destravei o cinto e quando minha mão tocou a maçaneta, ouvi a voz dele de novo:
— Ainda acho que devia contar a Bruce. Se não fizer, eu faço.
Virei devagar, a irritação ardendo no peito.
— Não se meta nisso. Eu mesma vou resolver.
Desci antes que ele dissesse mais alguma coisa. Eu não queria escutar nem mesmo um parabéns pelo meu aniversário de 29 anos.
Eu não sou uma donzela em perigo, dessas que precisam que um homem resolva tudo. E nunca vou permitir que me tratem como uma, nem mesmo Batman, nem mesmo Bruce... Fechei a porta. Caminhei sem olhar para trás. Talvez ele ainda estivesse me observando dali, daquele carro. Talvez não. Mas naquele momento, eu não precisava de um herói. Eu só queria dormir sem sonhar com sonhos bizarros.
Só queria um pouco de paz.



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