23 - Quando Pessoas Fanáticas Lideram Seitas

 

As luzes de Metropolis brilhavam alto, coloridas. O Batmóvel passava rápido pelas ruas quase desertas. Fiquei tentando me manter acordada até o fim do trajeto. E depois do que me pareceu uma eternidade... chegamos lá.

— Está ali — ele murmurou, os olhos presos no visor.

A casa de Conrad Relder era de concreto escuro, havia colunas e janelas elegantes. Mas por trás da fachada de riqueza, havia algo mais sombrio, e eu sabia. Podia sentir que algo estava errado.

Em um dos painéis do Batmóvel, Batman ativou um sistema qualquer — um visor de detecção térmica, acho. As formas em vermelho vivo se moviam numa das salas da mansão. Muitas. Demais para uma reunião casual. Ele aproximou a imagem com um gesto rápido na tela.

— Estão reunidos em uma sala no fim daquele corredor. — ele digitou alguma coisa no teclado digital. — Tem algo estranho acontecendo. — murmurou.

— Acha que vou esperar por convites? — murmurei, o coração começando a acelerar. — A gente tem que entrar agora.

— Não. Esperamos o momento certo. Analisar primeiro. Agir depois. Relder precisa estar sozinho.

Respirei fundo. Eu até tentei. Juro. Mas tinha algo... tinha uma sensação de alerta que me instigava a agir.

— Não. Foi mal, Bat. — saí do carro.

— Cat! — ouvi o aviso dele, mas meus pés já estavam no chão do quintal. — Droga, é por isso que trabalho sozinho... — ele murmurou.

Os seguranças me notaram rápido.

— Quem é você?! Não pode entrar aqui!

— Lugar errado, Gatinha. — O outro puxou uma arma.

Pulei sobre o primeiro. A bota acertou a garganta dele antes que pudesse avisar o resto. O segundo tentou me imobilizar, mas escorreguei pelas costas dele e o joguei contra uma pilastra de pedra.

Mais dois vieram. Derrubei o primeiro com uma acrobacia, saltando em suas costas e torcendo seu braço. O segundo tentou atirar, mas sua mão encontrou meu pé, em um chute tão forte que deslocou alguns dedos do lugar. Ele gritou.

Quando empurrei a última porta da entrada, Bat já estava atrás de mim. A capa negra tremulando sob a brisa suave que entrava. Ele me puxou pelo braço, firme.

— Se quisermos que isso funcione, Selinne, você precisa seguir as minhas ordens. Não pode agir sozinha.

— Eu sou uma gata bem selvagem, lembra? Não sigo ninguém.

Ele me encarou com aquele olhar de pedra. Mas por baixo da dureza havia alguma coisa. Cansaço? Preocupação talvez? Não pude descrever.

— Se quiser continuar com a minha ajuda, vai agir como eu mandar. — A voz dele saiu seca. — Ou precisa de uma coleira bem apertada?

Fiquei em silêncio. O orgulho gritou, mas havia mais em jogo. Engoli em seco. Assenti com um gesto seco.

— Nada de coleiras, vou cooperar... — resmunguei.

Subimos silenciosos até a sala onde as silhuetas vermelhas se moviam antes. Ele tirou uma cápsula redonda do cinto e a jogou pela fresta da porta.

Era um tipo de gás.

Alguns tossiram. Outros tentaram correr. Mas a porta estava travada por um dispositivo que ele colocou na maçaneta. Ouvi gritos abafados, e pancadas contra a madeira. Um a um, foram caindo no chão.

Quando a última pessoa desabou, entramos.

O cheiro lá dentro era doce e metálico. Havia velas acesas sobre uma mesa central, e símbolos riscados nas paredes com algo que parecia ser sangue. No canto, em uma mesa pequena. Estavam duas gatas dentro de jaulas de transportes.

— Meu Deus... — sussurrei.

O tal Conrad estava ali no chão, com uma máscara felina nos olhos e uma faca nas mãos. A máscara em seu rosto era parecida com aquela que os capangas usavam no teatro. Mas essa era mais moderna. Como se fosse propositalmente diferente para revelar algum tipo de posição ou status.

A raiva subiu como um incêndio por dentro ao ver as gatinhas assustadas.

— Que merda é tudo isso?... Eu até respeito a religião alheia... — olhei em volta. — mas machucar animais, isso eu não posso permitir.

Fui até a mesa onde as gatas miavam presas. Meus dedos tremiam de raiva enquanto destravava a portinha. As pequenas criaturas tremiam.

— Está tudo bem agora... — sussurrei, puxando a caixa para junto do peito. — Eu prometo que vão para um lugar seguro.

Atrás de mim, ouço o clique seco de uma câmera. Batman fotografava o altar, os símbolos, o sangue seco, as velas. Provas. Ele sempre pensava nos detalhes que me escapavam quando a raiva tomava o lugar da lógica.

Então vi Relder ali no chão. Era o único usando aquela máscara e aquelas roupas estranhas, semelhantes a de um padre. — Mas em vez de preto, era vermelho.

Aproximei-me. E levantei o pé direito. Eu queria esmagar aquele crânio repulsivo, espalhar seus miolos naquele chão imundo.

Mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, uma mão forte segurou meu ombro e me afastou dele.

— Não — disse Batman, firme. — Não assim.

— Você viu o que ele fez! — gritei. — Eles iam matar essas gatas! Ele liderava o ritual! Ele merece!

— E agora temos provas. Maus tratos a animais dará bons anos na cadeia, e ele perderá seu cargo de vereador. Quando tudo isso acabar, quem estiver com ele nisso... vai pagar.

Olhei para ele, com a respiração pesada. A caixa das gatas ainda nos meus braços. Eu tremia. Não de medo, mas de fúria.

— E o que fazemos agora? Apenas fizemos tudo isso para tirar fotos?

Ele já estava abaixado ao lado de Relder, prendendo-lhe os pulsos com aquelas algemas de liga preta e firme.

— Levamos ele conosco. Vamos fazer algumas perguntas e depois liberá-lo.

— Ah, que ótimo... — resmunguei.

(...)

O porto de Metropolis estava escuro e não havia uma alma viva ali além de nós três. A água batia nas docas com um som constante, quase hipnótico, me dava sono.

Relder acordou tossindo, havia confusão em seu olhar perdido. Estava amarrado a uma cadeira de metal que encontramos perto de um barco qualquer, deixado por um pescador.

— Conrad Relder, vereador de Metropolis... — disse RedBat, começando o interrogatório. — Está envolvido na seita Felina, o que fazem com esses animais? E por que apenas gatas?

Relder ergueu os olhos.

— Batman... não está longe demais de Gotham? Agora sequestra Vereadores?

Apertei meus punhos. Batman deu um passo à frente, era acostumado com pessoas como Relder durante um interrogatório.

— Quanto antes responder, mas rápido sairá daqui.

— Você acha mesmo que vai conseguir algo assim? Um sequestro. Tortura. Isso é crime, sabia?... Ah, mas é claro que você não se importa... é só mais um criminoso que pensa estar fazendo justiça.

Tortura?! Nem encostamos nele ainda!

— Responda ambas as perguntas.

— E se eu não quiser?

O Batman se inclinou. Sério. Frio. Como um predador maior encarando um menor

— Conhece Bianca Moreno? Fizeram a mesma faculdade e atuaram na mesma área. Defensoria pública, antes de se envolver na política... Há uma foto de ambos juntos há 14 anos, não tão próximos... mas ela estava lá.

Relder ouviu em silêncio, provavelmente pensado em uma resposta qualquer.

— Agora ambos estão ligados a gatos e cultos sombrios... — continuou Batman. — Tenho imagens do culto dessa noite... — Batman pegou o dispositivo que tira fotos e mostrou a Relder, de relance. — Se isso vazasse para a imprensa... o que será que seus eleitores conservadores e católicos pensarão?

Boa, Bat! Relder ficou pálido, mas tentou disfarçar que isso o incomodou.

— Ninguém vai acreditar nisso. A oposição frequentemente tenta me derrubar. Isso seria só mais uma das várias ameaças que recebo. Terá que se esforçar mais, para me derrubar.

Batman não respondeu. Mas também não demostrou nada.

Relder olhou em volta, tentando decifrar onde estava, até que me viu perto do Batmóvel.

Os olhos dele me percorreram como quem reconhece uma obra perdida. Arrepiei da cabeça aos pés com aquele olhar.

— Ah... você... Nossa escolhida... Então é mesmo verdade, está trabalhando com o morcego de Gotham.

— O que diabos você tá dizendo?

Ele não respondeu de imediato. Só sorriu. Um daqueles sorrisos de adoração doente.

— Você ainda não entende que não é daqui? Esse mundo não é para você, Selina. Você sente, não sente?

— O que você quer dizer com isso? Meu nome não é mais Selina!

— Isso não importa... não é de fato quem você é. Você pertence à seita. Volte para nós.

— Eu não pertenço a nada que envolva esse tipo de loucura! Me deixem fora disso.

— Você não pode fugir do destino. Você nasceu apenas para nós.

Meu corpo arrepiou, e aquela dor na nuca voltou, foi fraca, mas apenas para me dizer que ainda estava ali.

— Me diz o que isso quer dizer! Porque fazem tanto mistério? — dei alguns passos à frente. — Eu quero respostas se isso me envolve!

— Selinne, eu faço as perguntas. — Batman alertou.

— Vocês estão arruinando a minha vida... — continuei, apertando meus punhos. — e é de propósito... apenas me deixem em paz!

Relder apenas riu. Um riso seco, estalado. E antes que qualquer outro som saísse da boca dele, mordeu a própria língua com tanta força que o sangue escorreu pelo queixo.

— Ele se feriu! — gritei recuando meus passos. — Ele... ele se feriu de propósito!

Batman deu um passo à frente, analisando.

Relder arquejava, com a língua semicortada, mas ainda ria. Um riso silencioso e cheio de escárnio. Era medonho a forma como eles não se importavam em se ferir ou até se matar. Tudo em nome dessa seita maluca, que brinca e zomba com a vida das pessoas.

— Vocês são todos malucos! — cuspi as palavras. — Por que fazem isso!? O que essa seita esconde, o que ela prega... ao ponto de vocês se machucarem assim? — eu sabia que ele não conseguiria responder, mas eu ainda esperava que seus olhos me dessem as respostas que preciso.

Batman apenas observava. Os olhos mais sérios do que nunca. Ele parecia ter entendido de fato que isso tudo é mais sombrio do que pensávamos.

— Isso vai muito além do que eu imaginei... — ele disse, baixo.

E ali, diante daquela cena grotesca no porto, eu percebi: aquela seita... não era feita só de pessoas doentes. Era feita de fé. E fé fanática é a coisa mais perigosa que existe nesse mundo.

Olhei para aquele homem ensanguentado à minha frente, com a boca escorrendo o sangue escuro. Relder havia perdido os sentidos, mas ainda respirava.

— A gente devia jogar ele aqui no mar — falei, seca. — Deixar que os peixes façam a parte deles... Ele não nos dará as respostas que preciso mesmo...

Batman se virou, o rosto sombrio na luz fraca do porto.

— Ele precisa de um hospital.

— Dá pra não ser o mocinho só hoje?

— Se perder mais sangue ou entrar em choque, vai morrer antes que consigamos qualquer outra resposta... Ele demorará para se recuperar, mas estarei de olho nele, e qualquer outra figura suspeita.

— Ele merece morrer — rebati, a voz cortando. — Matar gatas, fazer rituais obscuros... se machucar assim apenas para não dar as respostas... ele é um fanático! Não é um humano. É lixo.

Relder nem se mexeu. Estava apagado, mole na cadeira como um pedaço de carne inútil. Meu coração batia rápido, minha cabeça latejando atrás. Tudo me fazia querer acabar com aquele ciclo doente com minhas próprias mãos. Ir atrás dessas pessoas sozinha, e matar um por um até que eu fique sossegada.

Dei um passo à frente, como alguém que não quer nada com nada.

Batman se colocou na frente. Ele sabia. Conhecia aquele meu olhar, mesmo que eu escondesse.

— Não.

— Sai da frente.

— Selinne, nem pense nisso.

Eu avancei. Minhas unhas prontas para machucá-lo se preciso fosse. Gritei de frustração por não conseguir nenhum arranhão nele ou Relder, sentia raiva e impotência. Tentei novamente, um chute em arco, mas ele recuou um passo, desviando.

Seu próximo movimento foi rápido demais. Me pegou pelos pulsos e, antes que eu pudesse me soltar, senti o clique frio das algemas prendendo meus braços atrás do corpo.

Fiquei ali, arfando, forçando meus pulsos contra aquele metal que me deixava contida.

— Odeio quando banca o herói com pessoas que não merecem. — meus olhos ardiam de raiva. — Vai defender mesmo, esse lixo!?

— Não estou defendendo. — Ele ficou parado, calmo, como se nada disso o abalasse. Como se eu não tivesse acabado de tentar matar um homem ou arranhar seu rosto semi-exposto. — Acabei de dizer que ele ficara em observação. Use a cabeça, ele poderá entregar outras pessoas eventualmente. Ele não serve de nada morto.

— Isso vai demorar muito!

— Estou fazendo tudo o que posso, Selinne. — respondeu. — Mas investigar essa seita vai levar mais tempo do que eu previa. Eles são cautelosos, e até a Lua Negra, que os financia, é esperta em apagar os rastros. São profissionais.

— Mas você não é o melhor detetive do mundo? Isso deveria ser mais rápido, você não está fazendo o suficiente! — cuspi, encarando-o com raiva. — Se quisesse mesmo me ajudar, sei que faria isso mais rápido!

Ele não respondeu, me encarou em silêncio com aquele olhar indescritível que eu detesto.

— Diga alguma coisa! — gritei impaciente outra vez, sua calma me irritava.

Ele apenas se virou, me ignorando. Pegou Relder, jogou o corpo desacordado nos ombros e foi em direção ao Batmóvel. Sabia que eu só estava estressada...

Fiquei ali. Respirando fundo. O vento batia em mim, era gelado. As gatas estavam quietas agora, dentro do banco de trás do automóvel. Caminhei um pouco pelo porto, com as algemas ainda presas, sentindo o metal pressionar meus ossos.

Fiz uma série de respirações profundas, me acalmei. Ou pelo menos forcei isso... a dor ainda estava na minha nuca, mas ignorei o máximo que pude.

Quando olhei para trás e o vi parado perto do Batmóvel, me aproximei devagar. A cabeça baixa.

— Me desculpa... — falei baixo, mal conseguia olhar para ele. — Sei que está fazendo o seu melhor para me ajudar, disponibilizando o seu tempo e recursos... eu só tive um dia péssimo e estou descontando em todo mundo... pra me sentir melhor. E...

Ele me olhou.

— Não está funcionando... — suspirei, me controlei, mas queria chorar.

— ... Entra no carro.

Assenti, derrotada.

— Vamos conversar sobre isso no caminho até o hospital.

Relder estava inconsciente no banco de trás, e as gatas estavam nas caixas de transporte ao lado. Dormiam.

Caminhei até o banco ao lado do motorista e entrei. O batmóvel roncou e logo nos colocou nas ruas brilhantes dessa cidade estranha.

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