2 - A Proposta

 

Já a noite, os saltos de Selinne ecoavam pelo beco estreito, num ritmo calmo, mas seus instintos não deixavam dúvidas: alguém a seguia há horas. Ela deslizou entre as sombras com naturalidade, os olhos atentos, os sentidos aguçados como os de um animal prestes a saltar se necessário fosse.

Virou a esquina, fingindo ignorar. E então, a voz grave atrás dela:

— Você é rápida... Mas não o bastante pra despistar alguém treinado.

Ela parou. Não por medo, mas por irritação.

— Tão treinado que resolveu me seguir tossindo e tropeçando nas latas de lixo? — respondeu, virando-se com um sorriso enviesado.

O homem que surgia das sombras era grande, com um sobretudo encharcado e olhar faminto. Não era um amador qualquer — tinha o ar de quem já havia feito isso antes. E o olhar de quem não aceitava "não" como resposta.

— O Cara de cicatriz quer falar com você. Tá interessado nas suas habilidades. Pode ser... lucrativo.

— Já ouvi essa cantada antes. — Selinne cruzou os braços. — E não quero voltar para uma cela apertada outra vez.

— Isso não é uma escolha — disse ele, avançando, a mão pronta para agarrá-la. — Você virá comigo, te levarei até ele.

Mas Selinne era mais rápida. Com um giro ágil, desequilibrou o homem com uma rasteira precisa, jogando-o no chão com um baque seco. Ele praguejou alto, se levantando cambaleante.

— Sua vadia... Tenho ordens de me livrar de você caso recuse as duas ofertas.

A pistola surgiu em sua mão.

Mas antes que o dedo tocasse o gatilho, algo cortou o ar — shhk! — e a arma voou de seus dedos, caindo com um som metálico no chão. O homem gritou de dor, agarrando a mão ensanguentada.

Do alto de um prédio, uma silhueta surgia como um espectro, alguém de capuz. As sombras se moldavam ao redor de sua capa. Olhos brancos, inexpressivos, um símbolo vermelho no peito. A presença dele gelava o beco.

— Eu aconselharia a não se mover outra vez. — disse a voz rouca.

O capanga congelou ao ver o símbolo vermelho em seu peito.

Em segundos, Batman desceu, imobilizou o homem com sua brutal eficiência, e o algemou a um cano enferrujado da parede. Não havia espaço para misericórdia e nem um pingo de hesitação. Batman nunca teve paciência para capangas.

— Parece que você pode cuidar disso. — Selinne disse seca.

Ela já se virava para ir embora quando ele pousou à frente dela. Os olhos dela se estreitaram.

— Vai me seguir também?... Ou já estava?

— Estou de olho em você. — disse Batman, com sua voz calma e fria, mas com uma ameaça implícita.

Ela cruzou os braços.

— Achei que você só se importasse com psicopatas e maníacos de barro. Desde quando virou minha babá?

— Desde que uma certa ladra famosa saiu da cadeia. — Ele se inclinou um pouco, o olhar fixo nela. — Estou de olhos bem abertos, Selinne. Se voltar à sua antiga vida... eu vou saber.

Ela deu um meio sorriso, debochado.

— Você não tem mais o que fazer? Uma cidade violenta pra cuidar?... — Ela inclinou a cabeça. — Talvez devesse cuidar melhor da sua vida... antes de vigiar a minha.

Tentou passar por ele, mas Batman segurou seu braço com firmeza. O toque dele era quente, forte... familiar. E por isso mesmo, ela o afastou bruscamente, com o coração disparando sem aviso.

— Não me toque, Batman. Nunca mais.

Ele não respondeu. Apenas a observou em silêncio, como se tentasse decifrá-la. Como se ainda enxergasse algo lá dentro que nem ela queria admitir. Algo nos olhos dele, havia um brilho quase inexistente de arrependimento ou... culpa.

— Você não tem mais esse direito. — ela deu alguns passos para trás, se virando em seguida. — Você me traiu.

Selinne foi embora, o salto tocando o asfalto com um ritmo acelerado. A respiração presa no peito, o rosto impassível... mas o coração desgovernado. Ele ainda mexia com ela, mesmo que ela guardasse ressentimentos.

Nas sombras, Batman estreitou os olhos brancos, se virou e olhou o capanga.

— O Cara de Cicatriz só tem mais uma chance, essa foi a segunda. E foi desperdiçada. — Alertou Batman ao capanga, puxando-o em seguida. — Na quarta, vou enviá-lo para o mesmo lugar que mandei o Duas Caras.

(...)

Na manhã seguinte, a luz tímida do sol mal atravessava as nuvens pesadas sobre Gotham. Selinne acordou com o celular vibrando ao lado da cama.

— Alô? — Atendeu com a voz arrastada, sonolenta.

— Senhora Kyle? Aqui é da loja Henderson's Market. Você pode começar hoje à tarde?

— Claro! — ela se levantou rápido, animada. — ... Tudo bem, estarei aí depois do almoço.

Poucas horas depois, com os cabelos loiros presos em um coque simples e vestindo roupas comuns, Selinne entrou no mercadinho local. Era modesto, mas limpo, com o cheiro de café velho e sabão em pó no ar. A dona, uma senhora baixinha, entregou-lhe o uniforme e explicou o que devia fazer. Antes de sair para o depósito, alertou:

— Se os moleques do skate aparecerem, faça como combinamos. Não chame a polícia... ainda. Eles vivem roubando bebidas alcoólicas e energéticos, mas talvez... — ela a olhou com apreensão — Te escutem.

— Entendo, pode deixar comigo. — respondeu Selinne com um sorrisinho malicioso.

As horas passaram lentamente. Depois de atender clientes rabugentos e organizar prateleiras, o relógio marcava quase cinco da tarde. A última cliente saiu, e Selinne limpava o balcão quando ouviu a campainha da porta tocar.

Três garotos entraram rindo alto.

— Olha, tem atendente nova... — murmurou um deles.

— Acho que a outra não aguentou esse lugar também. — outro riu baixinho.

Eles iam direto para o fundo, fingindo olhar os produtos — mas logo começaram a enfiar chocolates e pacotes de salgadinhos dentro das mochilas.

Selinne suspirou, largando o pano sobre o balcão.

— Ei, garotões. Ou vocês colocam tudo de volta, ou eu vou ligar pra mamãe de cada um de vocês.

Eles se entreolharam e riram.

— E se a gente não colocar?

Um deles a empurrou com o ombro. Selinne girou o corpo e, com um golpe seco no joelho do garoto, o derrubou no chão com uma facilidade assustadora.

— Você é maluca!? — gritou o segundo.

E o terceiro correu em disparada para a porta — mas assim que a abriu e saiu, retornou para dentro de volta... andando de costas.

Wayne estava ali, impecável em um blazer escuro, o rosto sério, mas os olhos brilhando com um toque de ironia.

— Acho que você esqueceu de pagar.

Selinne sorriu ao vê-lo.

— Justo quando eu achava que o dia seria entediante... Obrigada Bruce.

Enquanto ligava para a polícia, ela o olhou por cima do ombro.

— Como você sabia onde eu trabalhava?

Bruce deu de ombros, soltando o braço do garoto.

— .... Esse mercado é perto da Wayne Enterprises. Costumo vir aqui... tomar café.

Selinne arqueou uma sobrancelha, debochada.

— Um bilionário filantropo comprando café barato... pessoalmente?

Ele riu, envergonhado de leve.

— Às vezes eu gosto de provar coisas novas. — Depois, num tom mais sincero — E você é uma amiga importante. Só estou... cuidando de você, como posso.

Selinne baixou os olhos por um instante.

— Obrigada, Bruce. Mas não precisa se preocupar comigo. Eu me viro, e como pode ver, estou me saindo bem no emprego. Quer dizer... 2/3.

— Eu sei. — respondeu ele, com aquele meio sorriso. — Mas mesmo assim, eu vou me preocupar.

Depois a polícia apareceu, eles se despediram do lado de fora, com Bruce voltando para seu carro e ela voltando ao trabalho.

(...)

Mais tarde, já em casa, Selinne se acomodou no sofá, uma caneca de chá nas mãos. A televisão estava ligada em um noticiário local, Isis se acomodava na almofada.

— [...] e agora uma notícia de última hora: um roubo ocorreu no Museu de História Natural de Gotham a menos de 50 minutos. — disse a repórter. — As câmeras de segurança foram burladas, mas testemunhas afirmam ter visto uma figura ágil, saindo pelos telhados. Entre os itens roubados, estão artefatos raros de origem egípcia...

Selinne gelou na hora. A imagem de um colar dourado com pingente em forma de garra apareceu na tela. Ela se levantou devagar, os olhos fixos, a respiração pesada.

— Filhos da...

A polícia não havia prendido ninguém ainda, mas tudo — tudo — apontava para a Mulher-Gato.

Selinne trincou o maxilar. Alguém a estava copiando.

E agora, ela teria que caçar esse alguém.

Antes que ela pudesse tomar qualquer iniciativa, uma batida na porta foi ouvida, seguido de uma voz masculina.

— Selina Kyle, aqui é a polícia. Abra a porta.

— Você tenta mudar de vida, mas o passado sempre te persegue... — murmurou Selinne indo até a porta e a abrindo em seguida.

— Selina Kyle, nos acompanhe até a delegacia, por suspeita de furto.

— O quê!? — ela viu dois policiais entrarem no apartamento. — Mas não fui eu!

— Vamos investigar se isso é mesmo verdade, até lá, você está detida.

— E a parte do "todo mundo é inocente até que se prove o contrário"? — ela viu seus pulsos serem algemados.

— Se a senhorita fosse uma civil comum, isso se aplicaria. Mas não é a primeira vez que se envolve em roubos.

Uma policial colocou a mão no ombro dela e empurrou para fora do apartamento. Isis miou alto antes da porta ser fechada.


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