12 - Meu tropeço

 

Na manhã seguinte, na quinta-feira, me levantei e tomei meu café da manhã. Reuni coragem mesmo sem saber o que dizer e liguei para Bruce. Para a minha surpresa, ele atendeu de imediato, como se estivesse com o celular em mãos naquele momento... ou esperando pela ligação.

— Alô? Bom dia, Selinne.

— Bom dia, Bruce... — hesitei ao ouvir sua voz, pensando nas palavras seguintes.

Houve um breve silêncio do outro lado da linha, como se ele soubesse exatamente por que eu estava ligando.

— Achei mesmo que você ligaria — respondeu ele, com aquela voz tranquila. — A vaga ainda está de pé.

Mordi o canto do lábio, hesitando apenas por reflexo. Me senti orgulhosa demais para aceitar o emprego. Sempre imaginei que essa oportunidade fosse boa demais para mim. Mesmo que eu fosse outra pessoa agora.

— Que vaga era mesmo? Só pra eu ter certeza de que não vou acabar sendo secretária pessoal de um figurão.

— Agora é no setor de filantropia. Como uma das secretárias do gerente. Vocês trabalham com projetos sociais, inclusive... com doações para causas animais. Refúgios, clínicas, reabilitação de espécies... Achei que talvez te interessasse.

Não conseguiu conter um leve sorriso. O calor da manhã batia pelas frestas da janela, e por um instante me permiti gostar daquela sensação. Bruce me conhecia bem, e às vezes parecia ser mais do que eu poderia imaginar.

— Me interessa, sim. Aceito com prazer...

— Ótimo. Pode começar segunda. Eu te recebo pessoalmente na WayneCorp, vou te mostrar a empresa.

— Nossa, que honra... — falei meio zombeteira, mas com um fundo de sinceridade, ele riu.

— Até segunda, Selinne... — escutei ele digitar no teclado, havia uma música de fundo, quase imperceptível. Mas reconheci, era Deftones, uma de suas bandas favoritas.

— Até, Bruce...

A ligação caiu, e fiquei ali, segurando o celular, ainda com o sorriso nos lábios. Havia uma calma nova no peito, algo que eu não sentia fazia muito tempo. Um fio de pertencimento... mesmo que ainda tênue. Mesmo que eu lutasse contra...

Fui até a janela e vi Gotham, parecia respirar em silêncio. Talvez esse emprego seja o início de algo maior. A oportunidade de um recomeço.

Então meu telefone tocou de novo, e veio a notícia, mais rápido do que eu esperava. Montoya foi retirada da missão de vigia. Gordon mandou suspender a vigilância — segundo ele, já não fazia sentido manter a policial colada em mim, depois que me viram lado a lado com o Morcego naquela noite na boate.

Me incomodou um pouco que só acreditem em mim, por causa de Batman. Mas não me permiti deixar esse sentimento no peito. Eles tinham os motivos deles de duvidar. E eu esperava que isso mudasse em breve...

(...)

À noite, o apartamento estava silencioso, exceto pelo ronronar suave de Isis no meu colo. Acariciei seu pelo com delicadeza, sentindo o ritmo constante da respiração dela. Era bom ter algo constante... mesmo que fosse uma gata imprevisível, como eu. Isis é tudo para mim, e eu sou tudo o que ela tem. Eu a amo mais do que qualquer um imaginaria.

— Hora de ir.

A voz dele surgiu das sombras como se fizesse parte da casa. Eu não me assustei. Estava esperando aquele momento uma hora ou outra.

Levantei os olhos, e lá estava ele — firme, e impenetrável, com aquele olhar que via tudo ao seu redor.

Assenti com um leve sorriso.

— Não sabe dar boa noite? — me levantei devagar. — Me dá um minuto. Só vou me trocar.

Fui até o quarto sem pressa, deixando a porta entreaberta propositalmente. Sabia que ele não era do tipo que espiava... não abertamente. Mas também sabia que ele não desviava os olhos tão facilmente... pelo menos, não de uma bela gata como eu.

O morcego conhecia muito bem as minhas curvas. Houve muitas noites nos telhados de Gotham que nos divertimos. Ele nunca foi do tipo que avançava primeiro, então agi por conta própria. E ele, não recusava nenhum dos meus toques.

Nunca fizemos nada de fato, mas é aí que estava toda a graça da nossa relação — o desejo ardente, mas contido. Querendo passar o sinal vermelho, mas sempre no amarelo...

Me movi com calma, tirando a roupa aos poucos, como se estivesse sozinha. O silêncio atrás da porta dizia tudo, — ele não pedia pressa. — Senti seu olhar queimando meu corpo, e o látex deslizava pela minha cintura. O vestido perfeito.

Ao terminar e sair do quarto, vi Isis enroscada na perna dele, ronronando como se tivesse acabado de encontrar seu novo lar.

— Uhh... Ela gosta de você — comentei, prendendo o chicote na cintura. — Parece que você tem jeito com as gatas...

Ele não respondeu, mas o canto da boca se curvou levemente. Troquei um olhar com ele — daquele tipo que não precisava de palavras, um olhar provocante. Mesmo que o ressentimento do que ele fez no passado estivesse sobre minha mente, ele ainda era... irresistível.

Pulamos pela janela da sala direto para a noite fria de Gotham. O Batmóvel nos esperava num beco escuro, camuflado pela sombra dos prédios.

Aproveitei a descida para fingir um tropeço em meus saltos finos. Um deslize sutil...

Ele me segurou pela cintura num reflexo rápido, firme... como eu me lembrava.

— Meu herói...

Ficamos frente a frente, olhos nos olhos. Meu rosto a centímetros do dele. Meus olhos deslizaram para a sua boca, e então ele veio.

O beijo.

Foi intenso, mais do que eu poderia imaginar. Como se uma saudade perigosa estivesse sendo morta.

Línguas deslizando com vontade, sons provocantes de lábios se mexendo e os toques quentes e firmes na minha cintura, deslizando com força. Ele sempre foi incrível, e seu gosto nunca saiu das minhas lembranças. Sua pegada sempre foi a mais firme, e a tensão sexual entre nós, sempre foi alta... altamente perigosa.

Coloquei a mão sobre seu rosto e minhas unhas o arranharam, mas ele não parou. E eu também não... Era gostoso, ousado e fascinante.

— Safadinho. — Me afastei bruscamente, virando o rosto.

— Não fingi que tropecei. — ele declarou, passando a mão no rosto levemente arranhado.

— Eu?... Até parece!

Ele apenas entrou no carro e me deu aquele olhar convencido.

— Você corre e luta com esses sapatos, acha que pode me enganar?

Escondi o sorriso e entrei no carro.

— Você adoraria ser enganado.

A porta do carro se fechou e o motor roncou alto como um monstro recém-desperto.

(...)

Batman nos levou até a mansão de Falcone. Era exatamente o tipo de lugar que eu teria adorado invadir nos meus tempos de glória — cercado por muros altos, cercas de ferro fincadas como dentes e seguranças espalhados pelos cantos como peças mal posicionadas num tabuleiro. Nada que o Morcego e eu não pudéssemos contornar com um pouco de silêncio e estratégia ninja. Céus, ele é quase imperceptível.

Atravessamos os jardins num piscar de olhos, éramos como fantasmas. Nenhum alarme disparado, nenhum farol aceso. Batman andava à frente, tão silencioso quanto o próprio vento, e eu logo atrás, me deliciando com a adrenalina familiar de estar invadindo — por uma causa boa, claro.

Quando cruzamos o salão principal, meu olhar correu pelas tapeçarias, pelas esculturas e peças de valor decorando cada canto daquele lugar glorioso.

— Essa casa é um verdadeiro tesouro... Ouso dizer que tem bem mais itens de valor que a mansão Wayne... — murmurei, mais para mim do que para ele. — Eu teria adorado roubar aqui.

Mas claro, ele ouviu. Seu olhar girou rápido até mim, com aquele julgamento silencioso.

— Tô brincando. — acrescentei, erguendo as mãos num gesto inocente. — Mais ou menos...

Seguimos até o andar de cima, pés leves sobre o piso. O quarto dele ficava no fim do corredor, e a porta estava entreaberta. Ouvi água correndo, depois passos arrastados.

Foi rápido.

Ele saiu do banheiro e deu de cara com a armadura negra de Batman e o símbolo vermelho estampado.

— O-o que faz aqui...? Seguranças!

Mas antes que qualquer um deles pudesse vir, empurrei a porta e a tranquei com um clique seco. Era só nós três agora.

Ele recuou, confuso e molhado, ainda com a toalha pendurada no ombro. Batman se aproximou, erguendo o anel de jade.

— Onde conseguiu isso? — a voz de Batman saiu firme, gélida.

Falcone piscou, tentando entender. Levou um segundo, depois murmurou:

— Então estava com essa ladra loira... fiquei procurando por isso o dia todo.

— Onde? — Batman repetiu com aquele olhar. — Roubou isso da joalheria?

— O quê? Isso é roubado? Eu ganhei, foi presente de uma amiga. Uma advogada... nada de mais. Um agradinho.

Revirei os olhos.

— Ah, claro. Porque todo mafioso ganha joias roubadas de advogadas carinhosas. Que comédia...

Avancei, pronta para conseguir as respostas do meu jeito, mas Batman ergueu um braço, me impedindo de avançar.

— Você sempre estraga minha parte favorita — sibilei entre os dentes, mas recuei.

Ele se voltou para Falcone, os olhos fixos como se pudessem despir a alma dele.

— O nome dela.

— Não tenho motivos pra mentir. Foi... Bianca. Bianca Moreno.

Franzi o cenho, nunca ouvi falar dessa mulher.

— E quanto à seita felina? — perguntei, cruzando os braços. — Já ouviu falar em alguma coisa assim? Ligada a gatos... felinos... sei lá?

Ele riu.

Sério. Ele teve a audácia de rir.

— Vocês tão brincando, né? Isso é ridículo demais. Que diabos é uma "Seita felina"?

Troquei um olhar com Batman.

Batman deu um passo à frente. Eu apenas cruzei os braços e mantive o olhar firme. O silêncio durou alguns segundos, pesando sobre nós três.

— Vocês estão falando sério...? — ele finalmente murmurou.

Falcone engoliu em seco. O tom da voz dele mudou, ficou mais cauteloso, menos zombeteiro.

— Nunca ouvi falar de nada assim... de verdade. Mas... sei que existem grupos esquisitos por aí. Seitas, cultos, coisas que nem mesmo os criminosos mais violentos querem se envolver. Há uma organização, uma das grandes, que patrocina esse tipo de coisa. Financia cultos, experimentos, rituais macabros... o submundo falava deles, mas não ouvi mais nada desde então.

— A "Lua Negra" — murmurei, sentindo uma dor na nuca.

Os olhos de Batman encontraram os meus por um segundo, mas ele não disse nada.

Não havia mais o que tirar dali. Viramos as costas para Falcone, mas ele, claro... não podia deixar barato. Tivemos que espancar alguns capangas até conseguirmos sair. Não demorou.

O Batmóvel nos engoliu com sua escuridão. Assim que a porta se fechou, Batman ligou um painel e uma série de luzes azuis e verdes iluminou o interior do carro. Uma tela desceu diante dele e, com alguns toques rápidos, imagens de arquivos e mapas apareceram.

— Impressionante... — murmurei, me inclinando sobre a tela para olhar melhor, invadindo propositalmente o espaço pessoal dele. Como um gato inconveniente que atrapalha o momento de trabalhar no laptop. — E eu achava que as bugigangas do Cara de Cicatriz eram as melhores.

— Mova-se. — ele digitou com dificuldade, tentando olhar a tela.

Era divertido atrapalhá-lo. Seus olhos varriam a tela com precisão. Lendo as informações sobre a tal Bianca.

— O endereço residencial fica próximo a Haysville. — Bat comentou.

A rota apareceu no painel, era longe de onde estávamos. O apartamento de Bianca ficava na zona oeste, próximo a um parque e levaria algumas horas até lá.

— Já que você não é a melhor companhia quando o assunto é jogar conversa fora... eu vou tirar um cochilo confortavelmente aqui nesse banco de couro. Se importa?

— Nenhum pouco, desde que não ronque alto.

Olhei para ele enquanto me ajeitava confortavelmente.

— Como sabe que eu ronco?

Ele sorriu de canto, enigmático. Não respondeu.

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